São Paulo, quarta-feira, 19 de setembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

A festa nos EUA, o Brasil e dúvidas

Análise do efeito imediato do corte de juros tem de esperar ressaca da euforia; no médio prazo, incerteza continua

E O BRASIL com isso? O que sucede aos mercados brasileiros depois da festa mundial das Bolsas, embaladas pela superdose de euforia financeira oferecida pelos cortes de juros nos Estados Unidos?
Primeiro, a Bovespa pega carona no trem da alegria americano até quando, e se, o investidor em ações nos EUA der um tempo e pensar nas intenções do Fed e em novos dados.
Segundo, se o talho nos juros acalmar a finança do mundo rico, o dólar tende a perder valor, a diferença entre juros brasileiros e americanos cresce, a Bovespa tende a subir e tsunamis de dólares voltarão ao mercado brasileiro, valorizando o real.
Terceiro, se vier a calmaria, tudo continua como dantes no Brasil.
Quarto, o "cálculo das probabilidades é uma pilhéria" (cortesia de Manuel Bandeira). Ainda estão quentes os debates sobre o futuro do aperto do crédito nos EUA e na Europa, sobre o futuro de PIB e inflação americanos e o do dólar, ontem em baixa recorde diante do euro.
Qual o problema? Ainda há paralisia ou escassez de crédito no sistema financeiro americano e em parte do europeu. Ainda há bancos, pequenos, quebrando, e prejuízos a checar nos balanços das próximas semanas.
O Fed cortou ontem dois tipos de taxas de juros. Baixou sua meta para a taxa básica, a dos juros dos empréstimos entre bancos e uma espécie de referência, piso, para os juros cobrados dos clientes. Por meio de injeções ou retiradas de dinheiro do sistema bancário, o Fed ajusta os juros de curto prazo à sua meta, o que tende a regular expectativas do mercado a respeito de taxas de inflação e dos juros de longo prazo na praça.
Ontem o Fed ainda cortou para 5,25% o juro do redesconto, a taxa pela qual o BC ele mesmo empresta a bancos em dificuldades. Logo depois do corte de meio ponto percentual, para 5,75%, em 17 de agosto, tal oferta não teve muito apelo. A fim de ajudar o Fed na sua campanha de atenuar a má imagem do redesconto, bancões tomaram US$ 2 bilhões nesse balcão estigmatizado (banco que vai ao redesconto queima o filme). Na semana passada, o total desses empréstimos cresceu para US$ 7 bilhões. Há dificuldades por aí.
De janeiro até o início de agosto, os textos do Fed repetiam que o núcleo da inflação inspirava cuidados, pressionado pela alta do uso da capacidade produtiva. Quando o Fed deu tento da crise, em 17 de agosto, em meio ao pânico, não tratou de inflação e cortou o redesconto.
Agora, com redução forte nos juros, a inflação reaparece nos comunicados do Fed. O gesto de ontem teria sido apenas "psicoterapia" no mercado, um corte só e pronto ("one and done" foi uma das frases do dia)? Não parece razoável.
Enfim, o Fed está mais preocupado com recessão ou inflação? A economia "real" anda devagar, mas por ora sem drama. Mas ainda há aperto de crédito, o preço do petróleo preocupa e a ruína imobiliária continua. Mais, o corte de juros em tese só reanimaria o PIB daqui a um ano -e meio ponto não bastaria. No mercado futuro dos EUA, estima-se outro corte de juros básicos, dos 4,75% de agora para 4,5% em outubro.
Em dois dias, Ben Bernanke, presidente do Fed, vai falar sobre crise imobiliária para deputados. Outra oportunidade para a hermenêutica ou a leitura de cartas financeiras.


vinit@uol.com.br

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