São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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Economia chinesa tem problemas, afirma Pettis

Professor americano vê desaceleração econômica e pessimismo do consumidor

Professor da Universidade de Pequim diz que desmoronamento do mercado de ações tem forte impacto psicológico no país

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

"Há um ano, quando eu era o único pessimista com o rumo da China, chamavam-me para balancear debates em que todos eram otimistas. Agora já tenho vários colegas no pessimismo", diz o economista norte-americano Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim. Pettis, que mora há seis anos no país, acha que a China demorou para apreciar sua moeda, o yuan, e enfrenta vários problemas ao mesmo tempo: desaceleração da economia, das exportações e da compra de imóveis, inflação e pessimismo do consumidor.
Leia os principais trechos da entrevista que ele deu à Folha.

 

FOLHA - A medida anunciada ontem -de reduzir o imposto cobrado na compra de ações- pode voltar a estimular os mercados na China?
PETTIS
- Não haverá um forte impacto porque o mercado de ações tem ainda um peso muito pequeno no PIB chinês, mas ver o mercado desmoronar tão rápido tem um efeito psicológico. Mais importante é o mercado imobiliário. Consumidores, bancos e grandes empresas investiram pesadamente em imóveis, muito mais que em ações, e os preços em queda vão afetar toda a economia.

FOLHA - Fala-se de um pacote bilionário de investimentos em infra-estrutura para estimular a economia. É suficiente?
PETTIS
- Nenhum investimento é feito em uma semana. Mesmo que sejam US$ 50 bilhões, US$ 100 bilhões, leva tempo para que sejam implementados e pode demorar dois anos para ter algum efeito prático.

FOLHA - O consumo interno pode compensar a desaceleração das importações e da construção civil?
PETTIS
- O consumo na China é muito baixo. Enquanto nos EUA responde por 70% do PIB, em diversos países são 60%, aqui são 30%, 35%. O consumidor chinês é conservador, economiza muito. Como não há aposentadorias nem sistema de saúde gratuito, todos vivem economizando. Já vi cenas horríveis, como o paciente que ficaria salvo com seis dias a mais de tratamento deixar o hospital para a morte por não ter como pagar.

FOLHA - Os investimentos têm mais peso que o consumo interno no PIB. Pode faltar dinheiro nesse clima pessimista?
PETTIS
- Não há falta de dinheiro na China para investimentos. Mas, se as exportações não crescem, os empresários não pensarão em produzir mais.
Mesmo que tenham acesso a crédito, se as imobiliárias não conseguirem vender apartamentos, não irão construir mais. Existir dinheiro não basta. O Japão chegou a oferecer empréstimos a taxa zero e ninguém queria pegar.

FOLHA - A redução na taxa de juros e nos depósitos bancários para empréstimos pode ajudar pelo menos a recuperar o mercado imobiliário?
PETTIS
- Vai ter impacto pequeno. Um círculo virtuoso pode facilmente se tornar um círculo vicioso.
Os preços do metro quadrado cresciam sem parar e ainda assim as pessoas compravam porque esperar um mês significava comprar o mesmo apartamento bem mais caro. Agora, diante desse mercado mais pessimista, os futuros compradores estão esperando para ver, vêem que os preços estão em baixa, aguardam mais para ver até quanto podem baixar.

FOLHA - O governo chinês tem reservas de US$ 2 trilhões e os maiores bancos são estatais. Ele tem margem muito maior para fugir da crise?
PETTIS
- O governo está preocupado desde o ano passado. O premiê Wen Jiabao falou que 2008 seria um ano muito difícil e não estava brincando. Exportações, consumo e investimentos estão se desacelerando. E a inflação ainda é um problema. Ainda que os preços ao consumidor tenham declinado nos últimos meses, a inflação dos preços ao produtor, de matérias-primas e importações, ainda está muito alta.
O risco é que eles afrouxem as condições monetárias para estimular a demanda e o investimento, mas, em vez de produzir isso, meramente causem o aumento de preços.

FOLHA - Ao comprar US$ 400 bilhões em títulos de Freddie Mac e Fannie Mae, a China apostou demais na mesma ficha? O país pode deixar de investir tanto nos EUA?
PETTIS
- Não há outra saída para a China investir seu capital de exportações, com tantos superávits na balança comercial. O yuan é subvalorizado. Se o banco central não comprar dólares, vai comprar euros. É muito barato para as empresas estrangeiras comprarem aqui, mas é caro para as chinesas investirem no exterior.

FOLHA - Teme-se um crescimento de "apenas" 8% no PIB já no ano que vem. É mesmo grave?
PETTIS
- Se a economia crescer menos de 10%, a China não produzirá os empregos necessários para milhões de pessoas todos os anos. O país está mudando rapidamente e em quatro ou cinco anos haverá menos jovens, por causa da política do filho único, mas o êxodo rural continuará, milhões de pessoas continuarão a buscar empregos nas cidades.
Nos EUA, se houvesse um crescimento de 10% do PIB, faltaria gente para os empregos, o país teria de importar mão-de-obra. A China precisa disso.


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