São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Perda de bússola gera pânico

GILLIAN TETT
DO "FINANCIAL TIMES"

Enquanto os mercados tremiam ontem, a agência de classificação de crédito americana Standard & Poor's detonava mais uma granada, ainda que pequena: depois de anunciar em março projeções de prejuízos de cerca de US$ 285 bilhões para ativos hipotecários dos bancos, ela casualmente elevou a cifra em mais de US$ 100 bilhões, devido à queda nos valores dos ativos. Diante dos dramas recentes, esses US$ 100 bilhões podem não parecer tão desastrosos -o economista Nouriel Roubini antecipa que os prejuízos totais com créditos atinjam US$ 2 trilhões antes que a crise se encerre.
Mas a revisão da projeção da S&P destaca um problema que explica muito sobre a atual tempestade -o fato de que os recentes acontecimentos deixaram os investidores e instituições tão desorientados que existe confusão generalizada quanto ao valor de praticamente tudo. O mundo financeiro perdeu a sua bússola.
E isso causou desorientação tamanha entre os investidores que eles ou estão correndo em busca de segurança ou simplesmente se recusam a operar. O resultado é impasse e pânico.
Isso marca a culminação de problemas que vinham se intensificando silenciosamente há um ano. Nesta década, os investidores vinham dependendo pesadamente das agências de classificação para que servissem como bússola no mundo dos produtos financeiros complexos. Mas quando elas começaram a rebaixar alguns dos títulos lastreados por hipotecas, na metade do ano passado -em certos casos reduzindo classificações AAA diretamente ao status de "junk bonds"-, a confiança em seu sistema de classificação se deteriorou.
Naquela altura, alguns investidores começaram a recorrer aos mercados para compreender os instrumentos financeiros complexos. Afinal, o capitalismo dos EUA têm reverência inerente pelos sinais do mercado quanto a preços, a tal ponto que as autoridades regulatórias cada vez mais vêm forçando instituições a contabilizar seus ativos pelo valor de mercado.
No entanto, ao longo dos últimos 12 meses, as transações em muitos quadrantes do complexo mundo das finanças escassearam, o que torna praticamente impossível descobrir preços reais de mercado. Assim, em desespero, os investidores e auditores começaram a usar outras fontes de avaliação, potencialmente problemáticas como o chamado índice "ABX", que acompanha o custo de garantir títulos lastreados por hipotecas contra inadimplência.
A prática teve implicações devastadoras aos bancos. Nos últimos 12 meses, o ABX despencou: o preço implícito de papéis com classificação AAA estava em só 45% de seu valor.
Como resultado, instituições financeiras, a exemplo da AIG ou do Merrill Lynch, reportaram imensos prejuízos em termos de valor de mercado de seus ativos e aparentemente de maneira repentina.
Isso devastou sua base de capital. Além disso, também fez com que os investidores cada vez mais perdessem a confiança nos bancos e nas contas que eles publicam. E à medida que os investidores passavam a rejeitar os bancos, eles também tropeçaram e encontraram problemas de financiamento.
Os BCs tentaram conter essas preocupações imediatas quanto à liquidez. Mas isso não basta para combater a causa básica do problema, ou seja, o temor de que o sistema bancário esteja desprovido do capital de que necessita para cobrir seus prejuízos cada vez maiores. Pior, com as estimativas quanto ao rombo oscilando entre os US$ 200 bilhões e os US$ 500 bilhões, os investidores não conseguem ver de que maneira esse montante poderia ser obtido de fontes privadas.
No longo prazo, a saga sem dúvida reforçará os apelos por uma reforma na estrutura regulatória. Mas o desafio mais premente no momento é como pôr fim à desorientação.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Foco: Em Wall Street, quem pedia filé agora só quer comer hambúrguer
Próximo Texto: Economia chinesa tem problemas, afirma Pettis
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.