São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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EM TRANSE

Investidor fica mais confiante, mas ainda tem dúvidas quanto a Lula

NY vê risco menor de calote no Brasil

ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES", EM NOVA YORK

Não é muito divertido ser especialista em financiar países arriscados em um momento em que a maioria dos investidores de todo o mundo está correndo para casa em busca de segurança.
Os problemas do Brasil, que nesta semana elevou em três pontos percentuais as suas taxas de juros em uma tentativa audaciosa de restaurar a confiança em sua moeda debilitada, se avolumam para os investidores nos mercados financeiros. E, embora muitos dos profissionais que sabem por experiência amarga até que ponto as crises econômicas latino-americanas podem ser desastrosas acreditem que o pânico está sendo exagerado, eles estão conscientes de que seu otimismo não é compartilhado por muitos.
Em reunião da Associação de Operadores de Mercados Emergentes, em Nova York, nesta semana, bancos de investimento e administradores de fundos demonstraram confiança, em público, quanto à capacidade do Brasil de evitar uma moratória em sua imensa dívida pública, mesmo depois de reconhecerem, relutantemente, que o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do Partido dos Trabalhadores, que causa susto a muitos em Wall Street, tinha grandes chances de se tornar o próximo presidente da República.
"O risco de moratória é de apenas 20% a 30% em 2003", disse Ruggero de'Rossi, da administradora de investimentos Oppenheimer Funds. Essa visão contrasta com a chance de moratória de 50% a 60% que os mercados vêm atribuindo à dívida brasileira.

Risco baixo
John Welch, do West LB, também disse que o risco de moratória é baixo em médio prazo. O FMI (Fundo Monetário Internacional), que prometeu um pacote de resgate de US$ 30 bilhões ao Brasil, provavelmente daria a Lula pelo menos três trimestres antes de suspender o dinheiro, disse. Os palestrantes se esforçaram por sublinhar as diferenças entre o Brasil e a Argentina, ressaltando que Lula tinha diversas opções disponíveis, entre as quais erodir o valor de parte da dívida brasileira por meio do incentivo a uma inflação amena.

A coisa certa
Mas, embora pareça haver acordo generalizado quanto ao fato de que uma moratória não será necessária no Brasil, há menos confiança em que Lula fará a coisa certa.
De'Rossi disse que, para evitar uma nova crise no Brasil, Lula teria de anunciar rapidamente uma equipe econômica competente e a seguir cortar os gastos públicos em proporção ainda maior do que a exigida pelo Fundo Monetário Internacional.
De'Rossi está intrigado, igualmente, com o motivo para que o Banco Central brasileiro tenha escolhido o momento atual para elevar as taxas de juros, especialmente porque a medida torna a dívida brasileira, boa parte da qual indexada às taxas de juros, ainda mais cara. "Parece uma situação política em que há um longo período de estabilidade e então uma alta nos juros duas semanas antes do fim."

Risco principal
Welch acredita que Lula conseguiria administrar muito bem o "risco principal", indicando um ministro da Fazenda e um presidente do Banco Central ortodoxos a fim de reassegurar os mercados. O mais preocupante, disse ele, seria o risco de uma retomada progressiva da regulamentação da economia, mais tarde.
Alguns dos participantes destacaram, em conversas particulares, o aparente paradoxo nas opiniões adotadas pelos profissionais de mercado: uma forte crença em que o Brasil não decretaria uma moratória, mas, ao mesmo tempo, preocupação quanto à possibilidade de que um governo presidido por Lula tenha uma janela de oportunidade bastante curta para garantir que não aconteçam mais problemas.
A moratória de um país tão grande representaria um golpe tão grande para a confiança nos mercados emergentes em geral que os analistas pareciam relutantes até mesmo em contemplar a hipótese, em público. Alguns deles expressaram, em conversas privadas, medo quanto ao futuro dos mercados financeiros emergentes -para não falar quanto aos seus empregos- caso o Brasil acompanhe o exemplo argentino e decrete moratória.

Incentivo
O incentivo para mencionar com esperança a chance de evitar uma moratória foi visto também em outra conferência realizada em Nova York nesta semana, patrocinada pelo Cato Institute, uma organização libertária. Charles Calomiris, especialista acadêmico em crises financeiras, percebeu o incentivo aos bancos para que continuem retratando os mercados emergentes endividados como viáveis e apontou o caso da Argentina.
"Os departamentos de pesquisa dos bancos de investimento cooperam com a farsa, pois, se não o fizerem, perderão a chance de faturar com a organização de novas emissões ou swaps de títulos de dívida", disse.
E dos investidores na ponta da compra, aqueles que de fato investem dinheiro em lugar de recomendar que terceiros o façam, surgiram admissões ocasionais, na reunião da Associação de Operadores de Mercados Emergentes, de que a realidade de investir em países como o Brasil era mais árdua do que o caso otimista que se poderia montar para defender esse tipo de investimento.
Jim Barrineau, da Alliance Capital Management, afirmou, sobre Lula, que "é lógico, racional e de seu interesse ter uma equipe econômica centrista. Isso é uma base para otimismo, mas também não quer dizer que estejamos no mercado adquirindo bônus brasileiros hoje".


Tradução de Paulo Migliacci

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