|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EM TRANSE
Investidor fica mais confiante, mas ainda tem dúvidas quanto a Lula
NY vê risco menor de calote no Brasil
ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES", EM NOVA YORK
Não é muito divertido ser especialista em financiar países arriscados em um momento em que a
maioria dos investidores de todo
o mundo está correndo para casa
em busca de segurança.
Os problemas do Brasil, que
nesta semana elevou em três pontos percentuais as suas taxas de
juros em uma tentativa audaciosa
de restaurar a confiança em sua
moeda debilitada, se avolumam
para os investidores nos mercados financeiros. E, embora muitos dos profissionais que sabem
por experiência amarga até que
ponto as crises econômicas latino-americanas podem ser desastrosas acreditem que o pânico está sendo exagerado, eles estão
conscientes de que seu otimismo
não é compartilhado por muitos.
Em reunião da Associação de
Operadores de Mercados Emergentes, em Nova York, nesta semana, bancos de investimento e
administradores de fundos demonstraram confiança, em público, quanto à capacidade do Brasil
de evitar uma moratória em sua
imensa dívida pública, mesmo
depois de reconhecerem, relutantemente, que o esquerdista Luiz
Inácio Lula da Silva, o candidato
do Partido dos Trabalhadores,
que causa susto a muitos em Wall
Street, tinha grandes chances de
se tornar o próximo presidente da
República.
"O risco de moratória é de apenas 20% a 30% em 2003", disse
Ruggero de'Rossi, da administradora de investimentos Oppenheimer Funds. Essa visão contrasta
com a chance de moratória de
50% a 60% que os mercados vêm
atribuindo à dívida brasileira.
Risco baixo
John Welch, do West LB, também disse que o risco de moratória é baixo em médio prazo. O
FMI (Fundo Monetário Internacional), que prometeu um pacote
de resgate de US$ 30 bilhões ao
Brasil, provavelmente daria a Lula
pelo menos três trimestres antes
de suspender o dinheiro, disse. Os
palestrantes se esforçaram por sublinhar as diferenças entre o Brasil e a Argentina, ressaltando que
Lula tinha diversas opções disponíveis, entre as quais erodir o valor de parte da dívida brasileira
por meio do incentivo a uma inflação amena.
A coisa certa
Mas, embora pareça haver acordo generalizado quanto ao fato de
que uma moratória não será necessária no Brasil, há menos confiança em que Lula fará a coisa
certa.
De'Rossi disse que, para evitar
uma nova crise no Brasil, Lula teria de anunciar rapidamente uma
equipe econômica competente e a
seguir cortar os gastos públicos
em proporção ainda maior do
que a exigida pelo Fundo Monetário Internacional.
De'Rossi está intrigado, igualmente, com o motivo para que o
Banco Central brasileiro tenha escolhido o momento atual para
elevar as taxas de juros, especialmente porque a medida torna a
dívida brasileira, boa parte da
qual indexada às taxas de juros,
ainda mais cara. "Parece uma situação política em que há um longo período de estabilidade e então
uma alta nos juros duas semanas
antes do fim."
Risco principal
Welch acredita que Lula conseguiria administrar muito bem o
"risco principal", indicando um
ministro da Fazenda e um presidente do Banco Central ortodoxos a fim de reassegurar os mercados. O mais preocupante, disse
ele, seria o risco de uma retomada
progressiva da regulamentação
da economia, mais tarde.
Alguns dos participantes destacaram, em conversas particulares,
o aparente paradoxo nas opiniões
adotadas pelos profissionais de
mercado: uma forte crença em
que o Brasil não decretaria uma
moratória, mas, ao mesmo tempo, preocupação quanto à possibilidade de que um governo presidido por Lula tenha uma janela
de oportunidade bastante curta
para garantir que não aconteçam
mais problemas.
A moratória de um país tão
grande representaria um golpe
tão grande para a confiança nos
mercados emergentes em geral
que os analistas pareciam relutantes até mesmo em contemplar a
hipótese, em público. Alguns deles expressaram, em conversas
privadas, medo quanto ao futuro
dos mercados financeiros emergentes -para não falar quanto
aos seus empregos- caso o Brasil
acompanhe o exemplo argentino
e decrete moratória.
Incentivo
O incentivo para mencionar
com esperança a chance de evitar
uma moratória foi visto também
em outra conferência realizada
em Nova York nesta semana, patrocinada pelo Cato Institute,
uma organização libertária. Charles Calomiris, especialista acadêmico em crises financeiras, percebeu o incentivo aos bancos para
que continuem retratando os
mercados emergentes endividados como viáveis e apontou o caso da Argentina.
"Os departamentos de pesquisa
dos bancos de investimento cooperam com a farsa, pois, se não o
fizerem, perderão a chance de faturar com a organização de novas
emissões ou swaps de títulos de
dívida", disse.
E dos investidores na ponta da
compra, aqueles que de fato investem dinheiro em lugar de recomendar que terceiros o façam,
surgiram admissões ocasionais,
na reunião da Associação de Operadores de Mercados Emergentes,
de que a realidade de investir em
países como o Brasil era mais árdua do que o caso otimista que se
poderia montar para defender esse tipo de investimento.
Jim Barrineau, da Alliance Capital Management, afirmou, sobre
Lula, que "é lógico, racional e de
seu interesse ter uma equipe econômica centrista. Isso é uma base
para otimismo, mas também não
quer dizer que estejamos no mercado adquirindo bônus brasileiros hoje".
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Opinião econômica: Reputação em debate Próximo Texto: Medidas do BC levam Moody's a rebaixar bancos Índice
|