São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reputação em debate

GESNER OLIVEIRA

Governos com boa reputação pagam juros menores nos mercados de crédito e conseguem melhores barganhas nas disputas comerciais. Eis um fato relevante em um mundo marcado pela escassez de dinheiro para as economias emergentes e pelo jogo duro do comércio mundial.
A influência da reputação sobre a atividade econômica é intuitiva. No entanto o tema só mereceu uma análise mais cuidadosa nas últimas três décadas, com o estudo de uma das principais fontes de falha de mercado, a informação assimétrica. Os trabalhos seminais nessa matéria deram o Prêmio Nobel de Economia de 2001 para George Akerloff, Michael Spence e Joseph Stiglitz.
A informação assimétrica ocorre em situações frequentes nas quais uma das partes da transação econômica não tem condições de avaliar diferentes aspectos do bem ou serviço que está sendo transacionado.
Há inúmeros exemplos. O conserto do carro pode ter sido caro e demorado, mas não é fácil para o consumidor verificar se as peças foram efetivamente trocadas; uma reforma malfeita do encanamento pode dar muita dor de cabeça, mas não é comum quebrar a parede para verificar a qualidade do material utilizado; e um prato servido por um restaurante sem ingredientes frescos pode gerar uma intoxicação, mas não há outro remédio senão confiar no rigor da vigilância sanitária.
Daí a importância da reputação ou de sua construção para as empresas ou indivíduos que não a têm. Os contratantes substituem um monitoramento impossível de ser feito, como em uma cirurgia neurológica, pela associação a uma marca ou, neste caso específico, a um nome de um grande profissional que representa segurança e certeza de proficiência.
A reputação é igualmente importante na macroeconomia. Países que recorreram a moratórias em algum momento costumam pagar prêmios elevados durante longos períodos. Isso se reflete em prêmios de risco mais altos e consequentemente em taxas de juros maiores, onerando o investimento e a produção e inibindo a geração de empregos.
Há liberdades que só alguém como Pelé podia tomar. Em contraste, o novato que ainda não se consagrou como craque tem de suar muito mais a camisa, demonstrar sua competência e se submeter aos ritos de passagem presentes em qualquer cultura. Essa é a lição que fica para a garotada do Santos, que promete muito, mas ainda é inexperiente para enfrentar um clássico nervoso como o da última quarta-feira contra o São Paulo.
Na política econômica, não é diferente. Para conquistar credibilidade em momentos de incerteza como o atual, governos sem reputação de compromisso com a estabilidade pagam caro. Têm de ser mais realistas do que o rei.
Nesse ponto reside a maior dificuldade da candidatura Lula. Falta-lhe reputação de compromisso com a estabilidade da economia. Mais grave ainda, a reputação construída ao longo da última década foi justamente a de ausência de compromisso com a disciplina fiscal e monetária. A conversão súbita apenas acentua a desconfiança.
O problema da informação assimétrica justifica várias políticas públicas destinadas a atenuar essa falha do mercado. A certificação de produtos e a adequada regulação do mercados de capitais ou dos vários segmentos da saúde constituem exemplos, entre vários.
A maneira mais eficiente de lidar com a informação assimétrica consiste em atacar o problema pela raiz, aumentando a oferta de informações, sem receio do confronto de idéias e propostas detalhadas de como governar o Brasil nos próximos quatro anos. O atual processo eleitoral oferece uma oportunidade de ouro por meio dos debates agendados para a próxima semana entre os candidatos à Presidência da República.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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