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OPINIÃO ECONÔMICA
Reputação em debate
GESNER OLIVEIRA
Governos com boa reputação pagam juros menores
nos mercados de crédito e conseguem melhores barganhas nas
disputas comerciais. Eis um fato
relevante em um mundo marcado pela escassez de dinheiro para
as economias emergentes e pelo
jogo duro do comércio mundial.
A influência da reputação sobre
a atividade econômica é intuitiva. No entanto o tema só mereceu
uma análise mais cuidadosa nas
últimas três décadas, com o estudo de uma das principais fontes
de falha de mercado, a informação assimétrica. Os trabalhos seminais nessa matéria deram o
Prêmio Nobel de Economia de
2001 para George Akerloff, Michael Spence e Joseph Stiglitz.
A informação assimétrica ocorre em situações frequentes nas
quais uma das partes da transação econômica não tem condições
de avaliar diferentes aspectos do
bem ou serviço que está sendo
transacionado.
Há inúmeros exemplos. O conserto do carro pode ter sido caro e
demorado, mas não é fácil para o
consumidor verificar se as peças
foram efetivamente trocadas;
uma reforma malfeita do encanamento pode dar muita dor de cabeça, mas não é comum quebrar
a parede para verificar a qualidade do material utilizado; e um
prato servido por um restaurante
sem ingredientes frescos pode gerar uma intoxicação, mas não há
outro remédio senão confiar no
rigor da vigilância sanitária.
Daí a importância da reputação ou de sua construção para as
empresas ou indivíduos que não a
têm. Os contratantes substituem
um monitoramento impossível de
ser feito, como em uma cirurgia
neurológica, pela associação a
uma marca ou, neste caso específico, a um nome de um grande
profissional que representa segurança e certeza de proficiência.
A reputação é igualmente importante na macroeconomia. Países que recorreram a moratórias
em algum momento costumam
pagar prêmios elevados durante
longos períodos. Isso se reflete em
prêmios de risco mais altos e consequentemente em taxas de juros
maiores, onerando o investimento e a produção e inibindo a geração de empregos.
Há liberdades que só alguém
como Pelé podia tomar. Em contraste, o novato que ainda não se
consagrou como craque tem de
suar muito mais a camisa, demonstrar sua competência e se
submeter aos ritos de passagem
presentes em qualquer cultura.
Essa é a lição que fica para a garotada do Santos, que promete muito, mas ainda é inexperiente para
enfrentar um clássico nervoso como o da última quarta-feira contra o São Paulo.
Na política econômica, não é diferente. Para conquistar credibilidade em momentos de incerteza
como o atual, governos sem reputação de compromisso com a estabilidade pagam caro. Têm de ser
mais realistas do que o rei.
Nesse ponto reside a maior dificuldade da candidatura Lula.
Falta-lhe reputação de compromisso com a estabilidade da economia. Mais grave ainda, a reputação construída ao longo da última década foi justamente a de
ausência de compromisso com a
disciplina fiscal e monetária. A
conversão súbita apenas acentua
a desconfiança.
O problema da informação assimétrica justifica várias políticas
públicas destinadas a atenuar essa falha do mercado. A certificação de produtos e a adequada regulação do mercados de capitais
ou dos vários segmentos da saúde
constituem exemplos, entre vários.
A maneira mais eficiente de lidar com a informação assimétrica consiste em atacar o problema
pela raiz, aumentando a oferta de
informações, sem receio do confronto de idéias e propostas detalhadas de como governar o Brasil
nos próximos quatro anos. O
atual processo eleitoral oferece
uma oportunidade de ouro por
meio dos debates agendados para
a próxima semana entre os candidatos à Presidência da República.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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