UOL


São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DRAGÃO ADORMECIDO

A pedido de Lula, ministro vai apelar aos empresários para que não elevem os preços no fim de ano

Palocci vai falar na TV contra remarcações

Antônio Gaudério - 4.dez.02/Folha Imagem
Máquina de etiquetar coloca novo preço em produto; no final do ano passado, uma onda de reajustes provocou repique da inflação


KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) fará, em cadeia nacional de rádio e TV, um apelo aos empresários para que não aumentem preços no fim de ano. Lula teme a volta da ameaça inflacionária na hora em que a economia dá sinais, ainda tímidos, de recuperação.
O medo do presidente é que os empresários olhem a inflação passada, remarquem os preços e atrapalhem o esforço do governo para baixar os juros e reaquecer a economia. A previsão atual do mercado é que a inflação de 2003 fique em 9,68%, de acordo com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o parâmetro oficial da meta de inflação). A meta para 2004 é 5,5% de inflação (IPCA).
Um repique inflacionário poderia exigir nova alta da taxa básica de juros (Selic), hoje em 20% ao ano, alertou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em conversa com Lula e Palocci na casa do ministro da Fazenda. Era 4 de outubro, sábado, o aniversário de 43 anos de Palocci.
A data do pronunciamento não está definida. Ele deve ser feito até o fim do mês. O texto já foi escrito pelo publicitário Duda Mendonça. Palocci deveria tê-lo gravado na última quinta-feira, mas adiou porque viajou para a Argentina com Lula. A gravação deve ser feita nesta semana, em Brasília.
Palocci também tentará faturar politicamente o esforço fiscal e monetário deste ano, dizendo que o sacrifício não foi em vão e que será menor a cada ano. Prometerá dias melhores e exibirá índices macroeconômicos positivos, como queda do risco-país, valorização recorde dos títulos brasileiros no exterior e queda da inflação.
De início, o ministro da Fazenda resistiu a fazer o pronunciamento. Achava que talvez fosse o caso de ter somente conversas reservadas com grandes empresários. Essas conversas acontecerão, mas Lula achou pouco e determinou que o ministro falasse em cadeia nacional de rádio e TV.
O presidente deseja tornar público o esforço do governo para controlar a inflação e pedir contrapartida aos empresários. O governo estuda também a criação de uma espécie de campanha nacional de propaganda, pedindo empresas e cidadãos para "combater" a remarcação de preços.

Barco providencial
A idéia do pronunciamento nasceu de uma conversa informal, quando Lula, Meirelles e o ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) visitavam Palocci, por ocasião de seu aniversário.
O presidente pegou um barco nos fundos do Palácio da Alvorada e se dirigiu à antiga Península dos Ministros, onde Palocci mora. O ministro da Casa Civil, José Dirceu, também mora na área. Lula, em alguns finais de semana, escapa de barco para a casa de Palocci ou de Dirceu. Já aconteceram muitas reuniões importantes assim, em segredo, como na reta final da votação da reforma da Previdência, em agosto.
No dia 4 de outubro, o dia do aniversário de Palocci, também estiveram na casa dele os ministros Dirceu e Dilma Rousseff (Minas e Energia), além da assessora especial da Presidência Clara Ant, antiga militante da "Libelu", movimento de esquerda radical (trotskista) do qual Palocci e Gushiken participaram.
A maior parte do tempo foi dedicada a conversas informais, mas, em determinado momento, quando discutiam o movimento de queda dos juros nos últimos meses, Meirelles manifestou seu temor de um repique inflacionário, caso os empresários reajustem preços no final de ano.
Lula contou que sofreu na pele, como dirigente sindical dos metalúrgicos no ABC paulista, os efeitos negativos da inflação nos anos 70. Reclamou que os empresários são os primeiros a pedir queda dos juros, mas, quando têm chance, remarcam preços.
Lula, então, julgou necessário tentar dividir com os empresários a responsabilidade pela queda dos juros e o crescimento sustentado da economia. A idéia é terminar dezembro com taxa Selic entre 16% e 17% ao ano. Nesta semana, haverá reunião do Copom (Comitê de Política Monetária).
A expectativa de Lula é que a taxa caia, mas menos do que o setor produtivo deseja. Para a indústria, os juros deveriam cair 1,5 ponto percentual ou mais. Por cautela, fala-se na cúpula do governo numa queda de um ponto percentual, como prevê a maioria do mercado financeiro.
O presidente avalia que seria desastroso, política e economicamente, ser obrigado a aumentar os juros no começo de 2004 por pressão inflacionária. Lula crê que isso interromperia, até psicologicamente, um processo de recuperação do que chama de economia real, justamente num ano eleitoral (disputa pelas prefeituras) e no qual espera ter melhoria nas taxas de emprego e renda.
Lula também descartou um apelo a trabalhadores para que não peçam reposição salarial pela inflação passada. Sabe que a alta taxa de desemprego tira cacife dos sindicatos. O pedido seria desnecessário e soaria ruim para o governo petista, pensa Lula.



Texto Anterior: Mercado espera dólar mais alto
Próximo Texto: Fim do sufoco?: Consumidor procura mais TVs e DVDs do que fogão e geladeira
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.