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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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IMPÉRIO ABATIDO

Buraco nas contas externas e internas do país enfraquece dólar e coloca em risco a estabilidade mundial

Déficits gêmeos ameaçam retomada dos EUA

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

A despeito dos sinais de crescimento da economia norte-americana, a disparada dos chamados déficits gêmeos, o buraco nas contas externas e internas do país, ameaça a estabilidade dessa recuperação e, como consequência, de toda a economia mundial. O efeito pode desvalorizar o dólar e provocar uma alta nos juros.
O déficit orçamentário do ano fiscal de 2003 deve ficar acima de US$ 450 bilhões, um recorde em termos nominais. Para o próximo ano, a estimativa é que ele atinja US$ 500 bilhões, perto de 5% do PIB (Produto Interno Bruto).
O déficit em conta corrente, nas transações do país com o exterior, acompanha essa tendência. Neste ano, deve representar 5% do PIB. No ano que vem, a fatia deverá subir para 5,2%. Para os analistas, o alarme começa a soar quando o buraco passa de 3% do PIB.
Locomotiva da economia mundial, os EUA pagam o preço de serem o único país central a conseguir imprimir um ritmo forte de crescimento. No acumulado do ano, a expectativa é que o PIB americano tenha uma expansão de 4%, bem acima da virtual estagnação européia.
A retomada dos EUA em si é uma boa notícia, mas, como os seus principais parceiros econômicos patinam, os americanos terminam por acumular um grande desequilíbrio na balança comercial.
"A demanda interna nos EUA cresce, as importações crescem, mas as exportações não acompanham. Se a situação externa se mantiver assim, com as economias da Europa e do Japão paradas, o déficit comercial só tende a crescer", avalia Victor Zarnowitz, do NBER (sigla em inglês para Serviço Nacional de Pesquisa Econômica).
A organização, que reúne renomados economistas do país, determina a duração dos ciclos econômicos norte-americanos.
A manutenção dos desequilíbrios em conta corrente torna o país dependente de investimentos estrangeiros a fim de cobrir esse buraco nas contas. A estimativa é a de que sejam necessários US$ 500 bilhões ao ano. Quando os recursos não entram, o dólar cai.
A solução mais óbvia e imediata para corrigir o desequilíbrio seria permitir a desvalorização do dólar. A saída, porém, esconde armadilhas para toda a economia mundial.
"O governo Bush adota a retórica de que deseja um dólar forte, mas, na prática, está contente com o enfraquecimento da moeda. Só que esse é um jogo perigoso. Primeiro porque um dólar muito fraco pode levar a uma recessão mundial. Segundo porque, se a cotação da moeda cair drasticamente, os investidores vão perder o interesse nos EUA. Isso vai tornar o déficit mais difícil de financiar", diz Michael Carey, vice-presidente do Crédit Lyonnais.
Para o economista Nigel Gault, da consultoria Global Insight, a chave para resolver o descompasso da balança comercial dos EUA está no crescimento da eurolândia e do Japão.
"Só a desvalorização não resolve. Os outros países também têm que crescer. Internamente, o que o governo dos EUA pode fazer é tentar refrear a demanda interna com um aumento de impostos, por exemplo", afirma Gault.
A adoção do remédio amargo, porém, não teria uma boa receptividade política. "Estamos entrando na corrida presidencial. Ninguém, especialmente o presidente que quer se reeleger, vai tomar medidas que podem ser impopulares", pondera Gault.

Dependência externa
Segundo a Oxford Economic Forecast, braço de pesquisas econômicas da Universidade de Oxford, o prognóstico é o de um crescimento acelerado do déficit público. "O aumento das despesas com segurança e com a reconstrução do Iraque e do Afeganistão vai perdurar por muitos anos", diz relatório da instituição.
Não bastasse isso, o Estado americano também terá que arcar com o programa de cortes de impostos promovido pelo governo George W. Bush. Fora isso, a arrecadação já estava comprometida pela desaceleração econômica.
O aumento do déficit orçamentário cruza com o outro déficit. Com mais gastos e menos recursos, os EUA mantêm laços de dependência forte com o capital estrangeiro para se financiar e crescer, o que pressiona o desequilíbrio em conta corrente. "Esse é um problema de longa data, e não há perspectiva de resolvê-lo logo", diz Zarnowitz.



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