São Paulo, sexta-feira, 19 de outubro de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A natureza dá saltos


Está ocorrendo a maior e mais rápida integração de novos consumidores ao mercado que se tem registro

O LEITOR da Folha conhece minha opinião sobre a dinâmica das economias de mercado. Eu as vejo como um organismo vivo e, portanto, em contínua evolução segundo a racionalidade e os impulsos de seu ator principal, o homem. Por isso, aprendi ao longo do tempo -e principalmente com Keynes- a tentar entender esse processo com a humildade de quem se sente a reboque de uma inteligência maior. Muitos de meus colegas de profissão reagem como se a teoria econômica que conhecem permitisse sempre entender e explicar com precisão o que acontece nos mercados. Com esse comportamento, acabam perdendo os momentos mais ricos desse processo evolutivo do chamado capitalismo.
As mudanças das economias de mercado não têm uma intensidade -e, portanto, visibilidade- constante ao longo do tempo. Pelo contrário, em períodos que podem ser longos, essa dinâmica parece se interromper, sinalizando um possível ponto de equilíbrio e estabilidade. Alguns mais apressados acabam por declarar o fim da história e passam a olhar apenas para as lições do passado. E, ao se acomodarem, preparam-se para um período de erros de análise significativos.
Vivemos claramente um desses momentos. A evolução das economias de mercado -individualmente e coletivamente dentro do que se convencionou chamar de economia global- acelerou-se nos últimos anos a partir do surgimento da China como pólo dinâmico e transformador. Não foi apenas a China, mas o que o economista Jim O'Neal, da Goldman Sachs, chama hoje de "Brics" e "Next Eleven". São 15 novas economias que representam o núcleo central desse processo de transformação. Na prática, isso quer dizer que está ocorrendo a maior e mais rápida integração de novos consumidores à economia de mercado que se tem registro na história econômica.
É mais de 1 bilhão de pessoas que, ao se integrarem ao processo econômico, passam a trabalhar e a gerar renda em uma dinâmica interativa que deve durar muitos anos, talvez décadas. Basta olhar para um simples trabalho prospectivo realizado pela mesma Goldman Sachs para ter uma idéia das mudanças na geografia econômica do mundo que devem ocorrer ao longo desse período. É algo muito profundo e desestabilizador do equilíbrio dos últimos anos.
Para entender e acompanhar essas mudanças, será preciso que o analista se volte aos fundamentos das economias de mercado e deixe de lado seus modelos quantitativos, que projetam seus resultados a partir de relações que não mais representam o real funcionamento dos mercados.
Um bom exemplo dessa armadilha tem sido a questão da inflação no Brasil. A cabeça da maioria dos analistas ainda funciona com uma economia fechada, sem a arbitragem entre mercado interno e externo, que a estabilidade de longo prazo do real permite. Basta olhar o crescimento das importações -em quantidade- nos últimos meses e sua participação na oferta de produtos em nossos mercados.
As importações estão aumentando a taxas superiores a 20%, enquanto as exportações estão quase estabilizadas. Com isso, estamos vivendo um aumento da oferta de bens que podem ser importados da ordem de mais de 2,5% do PIB, o que permite uma deflação da ordem de 2% ao ano nos mercados mais pressionados por uma demanda excitada, como é o caso de produtos de consumo durável. E esse é apenas um exemplo menor entre grandes acontecimentos.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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