São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Calote em cartão cresce nos EUA

Crise chega ao bolso dos consumidores, que deixaram de pagar dívidas no prazo

Cartões são largamente usados pelos consumidores norte-americanos; Fed diz que inadimplência teve aumento de mais de 50%

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

A crise financeira nos Estados Unidos também já invadiu os bolsos e as carteiras dos norte-americanos. Grandes bancos no país e o próprio Fed (o banco central dos EUA) já registram aumentos superiores a 50% no não-pagamento de dívidas de cartões de crédito.
No mercado de automóveis, também houve aumento de mais de 40% no total exigido à vista do comprador para adquirir um veículo financiado.
Em meio à crise do crédito, vários bancos já são obrigados a fazer provisões maiores no caixa para compensar perdas nos balanços com inadimplentes.
Depois dos salários, os cartões de crédito são a principal fonte de dinheiro das famílias norte-americanas -em média, cada família tem 13 deles.
Nos últimos dez anos, as dívidas dos norte-americanos em cartões de crédito aumentaram 75%. No mesmo período, com variações ao longo do caminho, tanto a renda como o nível de emprego no país se mantiveram praticamente estáveis.
Os cartões são usados largamente pelos consumidores americanos. Mais de 40% deles "rodam" mensalmente dívidas, que integram o total de US$ 14 trilhões em débitos das famílias no país -o equivalente a mais do que o PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos.
Para isso, usam principalmente o crédito rotativo dos cartões, fazendo quase sempre pagamentos mínimos. No último ano, 25% dos usuários afirmaram ter elevado suas dívidas no cartão, segundo pesquisa da Universidade de Harvard.
Foi esse sólido aumento do endividamento que tirou o país rapidamente da recessão de 2000. Ele também é a prova de que os norte-americanos vivem há anos acima de suas possibilidades financeiras.
O aumento do calote entre usuários de cartões começou antes da piora da crise financeira, em meados de setembro.
O maior banco dos EUA, o JPMorgan Chase, registrou entre julho e setembro deste ano crescimento de 45% na inadimplência de seus usuários de cartão na comparação com o mesmo trimestre de 2007. Hoje, cerca de 7% dos empréstimos feitos pelo JPMorgan via cartões estão inadimplentes.
No Capital One, o volume de inadimplentes cresceu de 5,8% para 6,4% no mesmo período. O próprio Fed afirma que, em média, o crescimento da inadimplência no mercado de cartões neste ano já bateu em 54%.

Mais exigências
Outro levantamento do Fed mostra que 65% das empresas de cartões de crédito no país já apertaram neste ano as exigências para a emissão de novos cartões. Isso vem impossibilitando outra prática comum entre os norte-americanos: adquirir um novo cartão, com juros menores, para pagar as dívidas de outros cartões, com juros maiores.
Enquanto os preços dos imóveis estavam subindo nos EUA, muitas famílias também pegavam financiamentos periódicos dando como lastro suas residências, cujos preços em alta garantiam os empréstimos. Com o estouro da bolha imobiliária, a situação se inverteu completamente.
"O que importa é a tendência que tudo isso vem tomando. Com as empresas começando a cortar custos e empregos, as perspectivas para o emprego e a renda são terríveis", afirma Ian Shepherdson, economista da empresa de análises High Frequency Economics.
Em setembro, as vendas do comércio nos EUA caíram 1,2%. Com o resultado, foi a primeira vez em mais de 16 anos que os consumidores norte-americanos compraram menos de um trimestre para o outro.
"Os consumidores colocaram o pé no freio antes da piora da crise, o que é uma má notícia para todos", diz Joel Naroff, da Naroff Economic Advisors.
Além dos cartões, o mercado de financiamento de veículos também já revela o aperto entre as famílias norte-americanas para obter crédito.
Na média, as grandes revendedoras de veículos nos Estados Unidos estão exigindo uma entrada mínima na compra de um automóvel 42% maior agora do que o faziam há dois anos, segundo a consultoria Edmunds.com, especializada no ramo. O valor médio mínimo exigido hoje é de US$ 3.108.
De julho a agosto passados, caiu de 95% para 88% o valor total médio financiado na compra de veículos.
Também na média, as vendas das maiores montadoras do país caíram cerca de 20% em setembro, levando a rumores de possível falência da General Motors ou de sua fusão com outra grande empresa do setor.
A única boa notícia nesse setor -e para as famílias americanas- está na recente e forte queda no preço do petróleo, que pode voltar a impulsionar a venda de veículos e o consumo.
Segundo cálculos de Lawrence Goldstein, economista da área de energia, mantidos os preços no patamar atual (50% abaixo do pico de julho, mais de US$ 145 por barril), as famílias norte-americanas terão, nos próximos 12 meses, uma "folga" total de US$ 250 bilhões no orçamento por conta da gasolina mais barata.

Texto Anterior: Dados mostram recuo da demanda interna
Próximo Texto: Hoje colunista estréia blog sobre economia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.