São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Estragos do tsunami de liquidez global


Sob Lula, o Brasil cresceu a passos de Rocinante, mas outros países "emergentes" alçaram vôo como Pégaso


O "INIMIGO" histórico do desempenho econômico brasileiro tem sido a recorrência de crises do balanço de pagamentos. Quando irrompem, as turbulências cambiais jogam o crescimento para baixo e a inflação para cima. No governo FHC, o desajustamento cambial do primeiro mandato nos colocou de joelhos. Os "mercados" impuseram, em janeiro de 1999, a desvalorização do real. Depois, o apagão de 2001 e a crise argentina de 2002 juntaram forças para manter o crescimento na rota da mediocridade.
Desde 2003, no entanto, a farta liquidez internacional e a demanda externa generosa ensejaram ao Brasil uma formidável "inversão" dos resultados em conta corrente, acompanhada da melhoria patrimonial das empresas endividadas em moeda estrangeira e da redução da dívida externa pública, para não falar do substancial aumento das reservas. Aplausos.
Um tsunami de otimismo inunda as praias do planeta. Nesta área do Atlântico Sul, o ímpeto das águas recebeu a força das platitudes do dr. Palocci e dos juros do sr. Bevilacqua. O real foi às alturas. Por isso, no quadriênio do presidente Lula, mesmo bafejada pela euforia global, a economia brasileira cresceu a passos de Rocinante. Enquanto isso, seus competidores, os outros "emergentes", alçaram vôo como Pégaso. Trataram de defender a taxa de câmbio real e de acelerar o investimento para galgar melhores posições na liça da concorrência global.
Estudo da Funcex (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior) acaba de revelar mais uma camada do iceberg que navega perigosamente nas correntes frias da valorização cambial: nos últimos meses, acentuou-se a queda de rentabilidade das empresas que insistem em exportar.
Em alguns setores, como o de calçados, máquinas agrícolas, automóveis, autopeças e indústria moveleira, as demissões já acompanham a perda de mercados dos produtores nacionais para os competidores mais espertos e expertos. Isso quando as empresas não decidem deixar o país para reiniciar suas atividades em ambientes mais favoráveis.
As importações, mesmo num clima de baixo crescimento interno, já avançam a uma velocidade maior do que as exportações. Nenhum mal haveria nisso se o aumento mais rápido das importações revelasse um maior ímpeto do crescimento doméstico, sobretudo uma elevação do investimento público e privado.
As hipóteses dos nossos retranqueiros parecem não contemplar os efeitos das taxas de juros "fora do lugar" e do câmbio valorizado (e de sua volatilidade) sobre as decisões de investimento nos setores sujeitos à concorrência externa. Haja Bolsa Família para compensar os estragos.
Num mundo de integração financeira crescente, os debates sobre regimes cambiais em países periféricos desprezam a existência de uma hierarquia entre as moedas nacionais e ignoram o risco -sempre presente nos países de moeda fraca- de um descompasso entre as taxas de câmbio nominais e reais, decorrentes da dupla natureza da moeda nacional: ativo financeiro e "preço" relativo dos bens comercializáveis.
A euforia da liquidez externa abundante sustenta a inflação de ativos, aí incluídas as moedas fracas de países periféricos imprudentes. Esses episódios não são favoráveis ao investimento produtivo -particularmente nos setores sujeitos à concorrência externa- e freqüentemente contribuem para suscitar expectativas negativas sobre o futuro.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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