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Cooperativa-modelo agoniza no Nordeste
Mamona não resiste à invasão da soja e põe em risco núcleo de agricultura familiar no semi-árido baseado no "biodiesel social'
No auge do mensalão, Lula visitou fazenda e prometeu uma "nova Petrobras'; hoje, colonos do Piauí colhem 70% menos que em 2005
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL AO PIAUÍ
Os discursos do presidente
Lula nos últimos quatro anos
apresentaram a mamona como
a maravilha do "biodiesel social". Na vida real, o projeto-modelo da Brasil Ecodiesel para o combustível produzido
com a semente da planta dá sinais de crise, pouco mais de um
ano após a inauguração da usina da empresa em Floriano, no
semi-árido do Piauí, a 240 km
de Teresina. O óleo de soja é a
principal matéria-prima da
unidade.
O que seria o diferencial social do projeto, a Fazenda Santa
Clara, núcleo de agricultura familiar mantido pela Brasil Ecodiesel em Canto do Buriti (a
260 km de Floriano e a 500 km
de Teresina) para abastecer de
mamona a fábrica, enfrenta
queda na produção, protesto de
colonos e denúncias de abusos
por parte da empresa, incluindo trabalho escravo e infantil.
A Procuradoria do Trabalho
no Piauí abriu dois inquéritos
para investigar as denúncias,
constatou irregularidades e vai
propor uma ação civil pública
contra a Brasil Ecodiesel. A empresa diz que sempre agiu corretamente (leia texto ao lado).
Lula esteve em Floriano em
agosto de 2005 para inaugurar
a usina, a primeira das seis que
a empresa quer instalar. Visitou a Santa Clara. Era o auge da
crise do mensalão. Comparou-se a Getúlio Vargas -a revolução do biodiesel, disse, seria como a criação da Petrobras.
"Se a gente não escolhesse a
mamona, a gente iria ver o biodiesel sendo produzido da soja.
Se fosse produzido da soja, ia
beneficiar mais uma vez as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. E o Nordeste ia ficar
abandonado", disse na ocasião.
Os fatos de hoje mostram que
a "escolha" não foi suficiente
para que o biodiesel da Brasil
Ecodiesel no Piauí prescinda da
soja, muito pelo contrário.
Sob a alegação de que cumpre "período de silêncio" imposto pela CVM (Comissão de
Valores Mobiliários), em razão
da abertura de capital, a empresa negou-se a fornecer dados e
vetou o acesso à usina de Floriano. Mas relatório à própria
CVM aponta que sua matéria-prima principal é o óleo de soja
(97,2%, contra 2,1% da mamona e 0,7% do algodão).
Políticos e técnicos de Floriano calculam que o óleo de soja
represente cerca de 70% do que
chega para ser processado na
usina e que o de mamona dificilmente passa de 10%.
Funcionários da Brasil Ecodiesel ouvidos sob condição de
anonimato confirmam o cálculo. Um deles diz que o interesse
real na mamona é o "selo combustível social", sem o qual, por
lei, as empresas não participam
de leilões de biodiesel da Agência Nacional de Petróleo.
"No início a gente se empolgou e, de repente, cadê a mamona? Quando saí [da Brasil Ecodiesel], a produção com mamona estava baixa, e sei que caiu
mais ainda", afirma o biólogo
Enoque Ramos, funcionário da
Brasil Ecodiesel por quase dois
anos e que, quando secretário
de Agricultura de Floriano, negociou a instalação da empresa.
Fazenda
Um dos motivos para o fracasso está na Fazenda Santa
Clara. Numa área de 18 mil hectares, cedida pelo governo do
petista Wellington Dias, a empresa instalou 630 famílias, em
19 células de produção. A cada
uma foi cedido um lote, do qual
7,5 hectares são para o plantio
de mamona, e uma casa. Há
promessa de, após dez anos, terem a posse definitiva.
Hoje, o projeto vive sua pior
fase. Não há dado oficial, mas
levantamento com colonos de
três diferentes células mostra
que, neste ano, houve queda de
cerca de 70% na safra. Os motivos da queda, dizem, são equívocos da empresa no manejo do
solo e na época do plantio.
Os colonos não têm relação
de trabalho com a empresa. Há
os chamados "contratos de parceria", um relativo à posse da
terra, outro, anual, referente à
safra. As famílias vendem antecipadamente a mamona que
produzem e recebem por isso
R$ 160 por mês -o preço do
quilo é fixado pela empresa,
que desconta da remuneração
30% do plantio, feito por seus
técnicos. A lavoura e a colheita
ficam a cargo dos colonos.
Esse vínculo gerou denúncias de uso de trabalho escravo
e infantil e a investigação do
Ministério Público. O primeiro
inquérito foi arquivado sob
condição de a empresa se ajustar, mas auditoria subseqüente
levou a autuação da empresa.
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