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ARTIGO
Friedman será lembrado por carisma e amor ao debate
Para professor da Universidade de Chicago, na qual o economista ganhador do
Prêmio Nobel lecionou, legado mais importante é visão científica da economia
AUSTAN GOOLSBEE
ALGUÉM ENTROU em
nosso refeitório na Universidade de Chicago
na quinta-feira e anunciou que
Milton Friedman morrera.
Friedman passou sua vida intelectual aqui, então comecei a
perguntar às pessoas aqui sobre ele e o que se recordavam
dele. Ficou claro que, apesar de
ter se aposentado quase 30
anos atrás, sua influência ainda
é grande.
Para boa parte do mundo,
Friedman é conhecido por sua
mensagem em favor do livre
mercado e contra a ingerência
governamental, além de sua influência sobre líderes conservadores. Mas ele próprio disse
certa vez numa entrevista que,
embora seus esforços para influenciar a política econômica
pública tenham recebido mais
atenção pública, tinham sido
algo secundário para ele. "Minha verdadeira vocação é a economia científica", disse ele.
O que chamou minha atenção quando conversei com
meus colegas foi como o legado
de Friedman entre outros economistas é de algumas maneiras semelhante, mas de outras
maneiras totalmente diferente,
da visão que o público tem dele.
Seu modo de pesquisar, sua
personalidade e até mesmo os
temas que ele estudou deram
origem a boa parte da ciência
econômica que conhecemos
hoje, mesmo entre economistas cuja política difere muito da
dele. Muitos dos tópicos que ele
estudou, por exemplo, acabaram dando Prêmios Nobel a outras pessoas.
Um dos maiores impactos
que Friedman exerceu sobre o
estudo da economia foi o estabelecimento de uma visão de
mundo fundamental. Dentro
dessa perspectiva, a economia
não é um jogo ou exercício acadêmico. Ela é uma ferramenta
poderosa para a compreensão
do funcionamento do mundo.
Friedman utilizou uma teoria simples e direta. Ele coletava dados de todas as fontes que
conseguia. Ele queria verificar
quão bem a ciência econômica
corresponde ao mundo. Essa
visão hoje é dominante entre
boa parte dos economistas.
Discussão
Friedman adorava discutir.
Dizem que ele era o maior debatedor do mundo da economia. Por improvável que isso
possa soar, em vista de sua altura física pequena e de seus óculos grossos, poucos que o viram
negariam que ele possuía carisma em abundância espantosa.
Isso provavelmente explica
por que ele era tão bem-sucedido na televisão. Ao mesmo
tempo em que era uma potência acadêmica, sabia explicar as
coisas com clareza.
Friedman levou seu jeito impetuoso e amor pelo debate à
Universidade de Chicago, inaugurando a era de ouro do centro
mais respeitado do estudo da
economia. No texto autobiográfico que redigiu para o Nobel de Economia, que recebeu
em 1976, Friedman disse que,
quando chegou à universidade,
nos anos 1930, encontrou ali
"um ambiente intelectual dinâmico de um tipo que eu nunca
sonhara que pudesse existir.
Nunca mais me recuperei".
E nós tampouco nos recuperamos. Chicago continua a ser
um lugar de intensidade sem
precedentes no mundo da economia, onde parecemos comer,
beber e respirar economia, e a
personalidade de Milton Friedman tem muito a ver com isso.
Ele sempre queria iniciar um
debate sobre alguma coisa (ou,
segundo seus detratores, fazer
um pronunciamento sobre alguma coisa). Hoje, boa parte do
elemento crítico nas pesquisas
se foi -há democratas e republicanos no corpo docente-,
mas a intensidade permanece.
Ícone
O engraçado da transição de
Friedman ao status de ícone é
que aconteceu sem que ele jamais tenha perdido o modo
contundente e direto de se colocar. Ele não era necessariamente cortês. Aos 93 anos, estava ali declarando que o câmbio fixo é controle de preços e
que o euro está fadado ao fracasso. Ele não se importava
realmente se você gostava do
que ele dizia. Isso se aplicava
tanto à economia como ciência
quanto à arena política.
Friedman foi a prova de que
um grande economista pode ficar famoso apenas falando de
economia. Mas ele não tinha
medo de meter o nariz em lugares onde as pessoas diziam que
os economistas não tinham lugar. Ele transmitiu essa atitude
a alunos seus como Gary S. Becker, que receberia um Nobel
em 1992, e a outros profissionais de sua área, especialmente
entre a geração mais jovem de
economistas, como Steven D.
Levitt, que ficou conhecido por
seu livro "Freakonomics" (escrito com o jornalista Stephen
J. Dubner).
Para o mundo externo, o legado de Friedman pode ser a
política do "laissez-faire", mas,
para economistas -e especialmente para economistas de
Chicago-, está ligado mais a
procurar compreender como o
mundo funciona e lançar um
debate sobre isso.
Quando nós da Universidade
de Chicago ouvimos a notícia
de sua morte, chegamos a parar
de argumentar e fazer silêncio
por um momento. Foi um fato
realmente extraordinário, em
se tratando de economistas de
Chicago. Cada um de nós pareceu contemplar o legado de
Friedman, sozinho. Depois de
um pouco de calma, a discussão
recomeçou. Talvez isso fosse
exatamente o que o velho
Friedman teria desejado.
AUSTAN GOOLSBEE é professor de economia
na Escola de Administração de Empresas da Universidade de Chicago. Este artigo foi publicado
originalmente no "New York Times"
Tradução de CLARA ALLAIN
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