São Paulo, segunda-feira, 19 de novembro de 2007

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Governo vai licitar lagos e rios para o cultivo de peixe

Processo prevê concessão de áreas para pescadores e ribeirinhos e para empresas

Famílias passarão por processo de seleção, e empresas pagarão por uso; Comissão Pastoral da Terra vê riscos ambientais e sociais

Dario Gabriell - 11.fev.05
Vertedouro no açude do Castanhão, no Ceará, que deve ter áreas concedidas para aqüicultura

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois das rodovias, agora é a vez das águas da União. O governo federal lançou o primeiro edital de licitação neste mês e prepara pelo menos outros quatro até o fim do ano para conceder o direito de uso por 20 anos das chamadas "áreas aqüícolas" em lagos, rios, açudes, reservatórios ou em pontos do litoral.
As concessões serão exclusivas à aqüicultura -a criação de pescado em cativeiro-, tanto em água doce como salgada.
O primeiro edital publicado é para a concessão de 155 lotes no reservatório da hidrelétrica de Itaipu, no Paraná. Cada um dos lotes (ou áreas aqüícolas) tem 0,2 hectare em lâmina d'água, o equivalente à área de duas piscinas olímpicas.
A concessão será entregue a pescadores e ribeirinhos que forem aprovados num processo de seleção da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência, ao estilo das entrevistas para a escolha de famílias nos projetos de assentamento da reforma agrária.
Haverá dois tipos de edital: os de seleção, como no caso de Itaipu; e os de cessão onerosa, no qual tanto empresas nacionais como estrangeiras poderão disputar o mesmo espaço. Os primeiros editais para licitações onerosas serão abertos para áreas no litoral de Pernambuco (169 hectares) e de São Paulo (8,4 hectares).
A empresa vencedora será aquela que, na abertura dos envelopes, oferecer o maior valor pelo uso do lote por 20 anos. Além disso, terá de pagar anuidade para cada hectare concedido -entre R$ 200 e R$ 300 (valor ainda não definido).
Nos editais, já constará o tipo de pescado a ser produzido naquele conjunto de lotes. No caso de Itaipu, a produção será exclusiva de pacu.
Neste ano, ainda estão previstos editais para o açude do Castanhão, no interior cearense, e na bacia do Jatobá, em Pernambuco. O governo estima em 5,5 milhões de hectares o espaço disponível em águas da União para projetos de aqüicultura -segundo a legislação, apenas 1% de cada área poderá ser entregue à concessão. Por exemplo: uma represa de 500 hectares terá apenas 5 hectares abertos à concessão.
Uma instrução normativa interministerial publicada no mês passado tirou do caminho os últimos entraves jurídicos que até então impediam o lançamento dos editais. Nela, por exemplo, a responsabilidade pela escolha das áreas de concessão passou da Secretaria do Patrimônio da União para a Secretaria de Aqüicultura e Pesca.

Porta de saída
Segundo o governo, o uso legalizado das águas da União, como em açudes e reservatórios de hidrelétricas, pode ser uma "porta de saída" ao Bolsa Família. "Essas concessões vão beneficiar tanto o pequeno [pescador] como o empresário. A cessão é democrática e gera emprego para gente de baixa qualificação. É porta de saída para o Bolsa Família, ao colocar essa gente para produzir peixe", diz Felipe Matias, diretor de Desenvolvimento da Aqüicultura da Secretaria da Pesca.
Já a CPT (Comissão Pastoral da Terra) vê as licitações de outra forma. Para a entidade, braço agrário da Igreja Católica responsável por pesquisas sobre o chamado "hidronegócio", o cultivo de pescado em reservatórios da União ou em tanques-rede no mar pode trazer riscos ambientais e sociais.
"Haverá um problema sério do ponto de vista social. Tanto o litoral como as águas interiores não serão espaços mais livres. Haverá restrição do acesso às famílias pobres", afirma Roberto Malvezzi, pesquisador da Pastoral da Terra.
A publicação dos editais somente ocorre depois da autorização do Ibama, do governo do Estado, da Marinha e da ANA (Agência Nacional de Águas). As áreas escolhidas pela Secretaria da Pesca, em geral, serão aquelas nas quais já existe a presença de criadores de peixe -todos na ilegalidade, segundo o governo.


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