São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Chororôs e vexames

Empresas se queixam de preço em leilões de concessão, mas disputa pelos negócios é feroz e ágios são enormes. Ô, teatro!

VIROU ROTINA o teatro de lamúrias das empresas que disputam concessões de serviços públicos. Ontem foi a vez dos leilões de telefonia celular 3G. Tal serviço pode levar a telefonia ao país inteiro e permite baixar e trocar arquivos quase à velocidade de computadores com conexão rápida.
A disputa das teles pela prestação do serviço foi feroz no leilão de ontem. O preço pago pelas empresas foi muito superior ao mínimo exigido pela Anatel (chegando a três ou a quase quatro vezes o preço básico).
Empresas do ramo, com o coro de apoio de analistas financeiros e de consultorias de mercado, diziam que o preço mínimo era altíssimo e que não haveria quase ágio. O diretor da Anatel, Ronaldo Sardenberg, porém, dizia que o leilão era "mamão com açúcar" para as empresas. Parece que era mesmo.
Aconteceu coisa parecida nos leilões das estradas federais e da hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira. Antes do leilão das estradas no Sul e no Sudeste do país, as empresas consideravam o preço mínimo baixo, mas não exageraram nas queixas, ao menos em público. A revolta veio quando a espanhola OHL levou o filé do leilão com preços "inviáveis", segundo a opinião de analistas do mercado e concorrentes.
Quanto ao leilão da hidrelétrica, analistas financeiros e associações do setor elétrico haviam estabelecido fazia meses que o preço máximo para o leilão era também "inviável".
Mas mesmo a empresa que fez a oferta de compra mais fraca lançou um preço 20% inferior ao máximo exigido pelo governo. A vencedora deu um desconto de 35%.
Pela sua atitude, analistas de mercado não acreditam em leilões nem na avaliação real que as empresas do setor fazem sobre seus investimentos -a avaliação real é aquela expressa no dinheiro que os empresários se dispõem a pagar pelo negócio. Certo, empresas podem errar e se arriscar demais. Mas analistas e consultores de mercado, para não falar dos perdedores das disputas, desconfiam sempre de dois elementos fundamentais do mercado: leilões de preço e empresas. Divertido.
O "mercado" reincide nos erros de projeções de preços e reproduz a cada leilão a crítica dos valores "baixos demais" impostos pela "interferência excessiva" das agências de governo. É propaganda vulgar, incompetência ou as duas coisas. O ridículo piora com as explicações mambembes que dão para seus erros. Ontem, a desculpa era: "O ágio foi alto porque a Nextel entrou e elevou a competição". Ora, viva, que coisa feia haver mais concorrência! Que coisa imprevisível o aumento da competição resultar em preços menores!
Bem, basta de patacoadas. O bom resultado dos leilões tem conseqüências mais sérias e relevantes. Supondo que não venha desastre econômico, o sucesso dos leilões sugere uma oportunidade excepcional de o governo elaborar um plano de privatização. Não se trata só de arrumar a regulação, como no caso do saneamento. Trata-se de vender aeroportos, portos, estradas etc. O governo tem mais com o que se preocupar, como escolas ou investimento em pesquisa e inovação, área em que o desempenho da iniciativa privada fica entre medíocre e lamentável, quando não é nulo. Enfim: há uma chance de privatizar mais o PAC.


vinit@uol.com.br

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