São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O ciclo econômico da fraude


Golpe de Madoff completa o ciclo real das finanças: preços irreais, riscos ignorados e confiança pirateada


PRICEWATERHOUSE Coopers (PwC), KPMG e Ernst & Young prestavam serviços de auditoria para fundos que colocavam dinheiro nos negócios de Bernard Madoff. A coleção 2008 da crise americana imita, pois, a roupa velha e suja do tumulto de 2000/2, vestida por empresas como Enron e WorldCom e por auditorias como a Arthur Andersen.
PwC, KPMG, E&Y dizem que não era responsabilidade delas descobrir se os negócios de Madoff eram legais ou se sequer existiam. Checavam apenas se o dinheiro fluía de certos fundos e bancos para os fundos de Madoff. Os clientes endinheirados desse ex-presidente da Nasdaq não querem saber da desculpa e vão à Justiça. Problema deles, no caso. Aliás, se entraram numa fria desse tamanho, é porque pretendiam bicar um maná exclusivo, reservado apenas a "poucos, bons e espertos".
O que não é problema deles apenas é a ruína sistêmica, a ruína econômica, financeira, legal e moral do núcleo do sistema financeiro americano. Para citar apenas um aspecto da lambança: desmoronaram os processos de avaliação de risco e de alocação de capital. Os escombros nos caem sobre a cabeça. Parte do tumulto financeiro se deveu ao colapso do preço ou das garantias, em sentido amplo, de vários instrumentos financeiros chamados derivativos. Os derivativos, em si, são uma tecnologia brilhante. Mas o que interessa aqui é que nada restou intacto da discurseira sobre as competências alocativas e autoregulatórias do mercado. Senão, vejamos.
Os preços dos imóveis foram superestimados. O risco de crédito dos compradores de casas foi freqüentemente ignorado. A estruturação dos derivativos imobiliários foi entre inepta e safada, assim como a avaliação de risco e preço de tais papéis. Para tanto, colaboraram agências de avaliação de risco, como Standard & Poor's e Moody's.
Os bancos envolvidos mentiam, na prática, sobre a quantidade de capital de que dispunham para sustentar negócios com tais papéis, de resto escondidos em registros paralelos, legais, mas, no fundo, picaretas. A precificação dos ativos era fantasista. O mercado para tais papéis era muito raso e virou uma pocinha assim que os problemas começaram. As agências de regulação e supervisão levaram dribles, eram coniventes ou foram manietadas pelos próprios chefes. Muitos reguladores-chefes eram de Wall Street ou ligados à turma, "em espírito" ou materialmente, muito refratários até a normas muito sensatas e leves.
O Fed (o BC norte-americano) deu corda tanto ao crédito como às pretensões e às bolhas do mercado. O Fed, em conluio com a cúpula econômica de Bush e de Clinton, abriu ainda mais as porteiras à manada. Para completar, descobre-se fraude sistemática -isto é, fraudes tipificadas nos códigos legais, caso de polícia, como o de Madoff. Enfim: o padrão dos ciclos financeiros não é o descrito nos manuais-padrão de economia. O padrão é alocação irracional de recursos, desordem no sistema de preços, subavaliação sistemática de riscos e fraude, modus operandi facilitado pela simbiose entre governo e finança e que não raro redundam em ciclos de aumento de desigualdade de renda.

vinit@uol.com.br


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