São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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ARTIGO

Metas inflacionárias perdem o charme

SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Paul de Grawe, o célebre economista belga, escreveu em artigo para o "Financial Times" em 8 de janeiro que "a operação de um banco central não envolve apenas manter a inflação perto dos 2% e rezar para que o resto funcione bem". Existem muitas indicações de que a opinião dominante, mesmo na zona do euro, começa gradualmente a se alterar nessa direção. Jean-Claude Trichet, o novo presidente do Banco Central Europeu (BCE), deplorou a "instabilidade das taxas de câmbio" e não só pelos efeitos que possam ter sobre os preços na zona do euro. Mervyn King, o presidente do Banco da Inglaterra, sugeriu que é "mais fácil medir o valor monetário dos gastos e da produção na economia do que dividi-lo em estimativas de produção real, por um lado, e índices de preços, por outro". As mais recentes revisões de dados, que alteraram consideravelmente o quadro de crescimento no Reino Unido, "deixaram as estimativas quanto ao dispêndio de dinheiro e à produção em larga medida inalteradas".
Outro sinal de desgaste para essa teoria são as discussões quanto a índices de inflação. A Eurostat, agência oficial de estatísticas do bloco econômico europeu, investiga como incluir os custos de propriedade e ocupação de imóveis em seu índice harmonizado, o que pode perturbar a continuidade da série.
Gordon Brown, o ministro das Finanças britânico, agiu relaxando ligeiramente sua meta. Ao fazê-lo, aparentemente reduziu a inflação britânica de 2,5% para 1,3% ao ano o que torna mais difícil para o banco central do país explicar a provável necessidade de elevar os juros. Em retrospecto, as metas inflacionárias eram mais adequadas para um período como os anos 90, quando a inflação caíra à casa do dígito único, mas não havia confiança em que pudesse ser mantida por lá. E o objetivo de uma inflação baixa, mas positiva, ajudaria a construir confiança do público quanto a uma "cultura da estabilidade".
As metas inflacionárias são menos adequadas se a inflação elevada se tornou parte fixa do cenário, como nos anos 70. Também são menos adequadas quando as expectativas de inflação são baixas e o principal temor é a estagnação e a recessão. Aqui surge o muito discutido perigo do "salto para o juro zero", que limita a capacidade dos bancos centrais para reduzir o preço real dos empréstimos. O estímulo econômico passa então a requerer cooperação entre bancos centrais e ministérios das finanças, por exemplo para o financiamento monetário de déficits de orçamento, em lugar de funcionar sob as relações distantes entre as duas partes do sistema, como preconiza o modelo adotado nos anos 90.
Durante os debates monetários dos anos 80, freqüentemente defendi a adoção de metas quanto ao Produto Interno Bruto (PIB) nominal, como King vem agora indicando. Uma virtude desse tipo de objetivo é que, quando a economia está estagnada ou em recessão, ele aponta decididamente para políticas expansivas, desde que estejamos começando de uma base baixa para a inflação. Por outro lado, se a inflação decolar, a política automaticamente evita uma inclinação restritiva e pode haver uma corrida ao crescimento à maneira dos anos 60. Acima de tudo, esse método evita a dependência de estimativas quanto ao déficit de produção, que alguns estudos demonstram ser praticamente inúteis. O Fed (banco central americano), sob a direção de Alan Greenspan, pode ser entendido como adepto de um objetivo, não muito refinado ou anunciado, de PIB nominal, já que acompanhou explicitamente tanto a produção quanto os preços. Por que tenho mantido o silêncio sobre o assunto recentemente, então?
Primeiro, quando as metas de inflação pareciam estar funcionando, não havia motivo para ficar insistindo sem resposta.
Segundo, os defensores de qualquer novo modelo para as metas monetárias são em geral crucificados pelos analistas financeiros de curto prazo. Isso é especialmente verdadeiro para o PIB nominal, ao qual não seria possível monitorar e cujo acompanhamento sensato só pode acontecer em termos de médias móveis anuais, bienais ou trienais.
Terceiro, e quanto a isso mudei um pouco de opinião, a inflação e a recessão não são as únicas fontes de instabilidade. Não descobrimos uma fórmula que permita aos bancos centrais identificar a "exuberância irracional" nos mercados de ativos e crédito.
No Reino Unido, o PIB nominal seguiu um ritmo estável de crescimento, de 4,5% a 5,5% ao ano, nos últimos anos. Nos EUA, a faixa é de 4% a 6%, exceto por uma queda temporária em 2001. Mas na zona do euro o crescimento do PIB nominal vem sendo muito inferior, de entre 2% e 4%, nos últimos três anos, com tendência de queda. Se Trichet injetar dinheiro suficiente para elevar esse ritmo a 5%, não creio que obteria uma cura miraculosa da "eurosclerose". Mas ao menos é um gesto que o BCE pode fazer em direção de seus críticos e algo muito melhor do que mexer com os juros.
Em conclusão: não sou favorável a abandonar as metas inflacionárias, nas quais tamanho capital político e intelectual foi investido. Mas tentaria atingi-las em horizonte de tempo mais longo, e manteria a atenção, ao mesmo tempo, em algum indicador da demanda nominal. Essas orientações seriam, dessa maneira, amplas o bastante para permitir que os bancos centrais apertem os cintos diante de bolhas incipientes nos mercados de ativos. E, quanto a isso, não resta nada senão confiar na competência deles.


Samuel Brittan é colunista do jornal britânico "Financial Times" desde 1966

Tradução de Paulo Migliacci


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