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ARTIGO
Metas inflacionárias perdem o charme
SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Paul de Grawe, o célebre economista belga, escreveu em artigo
para o "Financial Times" em 8 de
janeiro que "a operação de um
banco central não envolve apenas
manter a inflação perto dos 2% e
rezar para que o resto funcione
bem". Existem muitas indicações
de que a opinião dominante, mesmo na zona do euro, começa gradualmente a se alterar nessa direção. Jean-Claude Trichet, o novo
presidente do Banco Central Europeu (BCE), deplorou a "instabilidade das taxas de câmbio" e não
só pelos efeitos que possam ter sobre os preços na zona do euro.
Mervyn King, o presidente do
Banco da Inglaterra, sugeriu que é
"mais fácil medir o valor monetário dos gastos e da produção na
economia do que dividi-lo em estimativas de produção real, por
um lado, e índices de preços, por
outro". As mais recentes revisões
de dados, que alteraram consideravelmente o quadro de crescimento no Reino Unido, "deixaram as estimativas quanto ao dispêndio de dinheiro e à produção
em larga medida inalteradas".
Outro sinal de desgaste para essa teoria são as discussões quanto
a índices de inflação. A Eurostat,
agência oficial de estatísticas do
bloco econômico europeu, investiga como incluir os custos de
propriedade e ocupação de imóveis em seu índice harmonizado,
o que pode perturbar a continuidade da série.
Gordon Brown, o ministro das
Finanças britânico, agiu relaxando ligeiramente sua meta. Ao fazê-lo, aparentemente reduziu a
inflação britânica de 2,5% para
1,3% ao ano o que torna mais difícil para o banco central do país
explicar a provável necessidade
de elevar os juros. Em retrospecto, as metas inflacionárias eram
mais adequadas para um período
como os anos 90, quando a inflação caíra à casa do dígito único,
mas não havia confiança em que
pudesse ser mantida por lá. E o
objetivo de uma inflação baixa,
mas positiva, ajudaria a construir
confiança do público quanto a
uma "cultura da estabilidade".
As metas inflacionárias são menos adequadas se a inflação elevada se tornou parte fixa do cenário,
como nos anos 70. Também são
menos adequadas quando as expectativas de inflação são baixas e
o principal temor é a estagnação e
a recessão. Aqui surge o muito
discutido perigo do "salto para o
juro zero", que limita a capacidade dos bancos centrais para reduzir o preço real dos empréstimos.
O estímulo econômico passa então a requerer cooperação entre
bancos centrais e ministérios das
finanças, por exemplo para o financiamento monetário de déficits de orçamento, em lugar de
funcionar sob as relações distantes entre as duas partes do sistema, como preconiza o modelo
adotado nos anos 90.
Durante os debates monetários
dos anos 80, freqüentemente defendi a adoção de metas quanto
ao Produto Interno Bruto (PIB)
nominal, como King vem agora
indicando. Uma virtude desse tipo de objetivo é que, quando a
economia está estagnada ou em
recessão, ele aponta decididamente para políticas expansivas,
desde que estejamos começando
de uma base baixa para a inflação.
Por outro lado, se a inflação decolar, a política automaticamente
evita uma inclinação restritiva e
pode haver uma corrida ao crescimento à maneira dos anos 60.
Acima de tudo, esse método evita
a dependência de estimativas
quanto ao déficit de produção,
que alguns estudos demonstram
ser praticamente inúteis. O Fed
(banco central americano), sob a
direção de Alan Greenspan, pode
ser entendido como adepto de
um objetivo, não muito refinado
ou anunciado, de PIB nominal, já
que acompanhou explicitamente
tanto a produção quanto os preços. Por que tenho mantido o silêncio sobre o assunto recentemente, então?
Primeiro, quando as metas de
inflação pareciam estar funcionando, não havia motivo para ficar insistindo sem resposta.
Segundo, os defensores de qualquer novo modelo para as metas
monetárias são em geral crucificados pelos analistas financeiros
de curto prazo. Isso é especialmente verdadeiro para o PIB nominal, ao qual não seria possível
monitorar e cujo acompanhamento sensato só pode acontecer
em termos de médias móveis
anuais, bienais ou trienais.
Terceiro, e quanto a isso mudei
um pouco de opinião, a inflação e
a recessão não são as únicas fontes de instabilidade. Não descobrimos uma fórmula que permita
aos bancos centrais identificar a
"exuberância irracional" nos
mercados de ativos e crédito.
No Reino Unido, o PIB nominal
seguiu um ritmo estável de crescimento, de 4,5% a 5,5% ao ano,
nos últimos anos. Nos EUA, a faixa é de 4% a 6%, exceto por uma
queda temporária em 2001. Mas
na zona do euro o crescimento do
PIB nominal vem sendo muito inferior, de entre 2% e 4%, nos últimos três anos, com tendência de
queda. Se Trichet injetar dinheiro
suficiente para elevar esse ritmo a
5%, não creio que obteria uma cura miraculosa da "eurosclerose".
Mas ao menos é um gesto que o
BCE pode fazer em direção de
seus críticos e algo muito melhor
do que mexer com os juros.
Em conclusão: não sou favorável a abandonar as metas inflacionárias, nas quais tamanho capital
político e intelectual foi investido.
Mas tentaria atingi-las em horizonte de tempo mais longo, e
manteria a atenção, ao mesmo
tempo, em algum indicador da
demanda nominal. Essas orientações seriam, dessa maneira, amplas o bastante para permitir que
os bancos centrais apertem os
cintos diante de bolhas incipientes nos mercados de ativos. E,
quanto a isso, não resta nada senão confiar na competência deles.
Samuel Brittan é colunista do jornal britânico "Financial Times" desde 1966
Tradução de Paulo Migliacci
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