São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

A Embrapa da indústria

Na semana passada, o governo federal anunciou a intenção de investir R$ 300 milhões na criação de uma Embrapa para a área industrial. Um dos principais pensadores contemporâneos da área de ciência e tecnologia, o reitor da Unicamp, Brito Cruz, não considera adequada a criação de uma Embrapa para a área industrial.
O setor agrícola tem singularidades que favorecem a efetividade de institutos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) estatais. Uma delas é o grande número de pequenas e médias propriedades demandadoras de tecnologia.
Na área industrial, existem vários institutos federais e estaduais, como o Instituto Nacional de Tecnologia, o Cenpra (ex-CTI), a Fiocruz e FarManguinhos. Nesse terreno, a definição da demanda é diferente. O foco da política precisa estar nas empresas, e não na criação de instituições governamentais. Ainda mais quando essa criação replicará experimentos já existentes e que enfrentam todo tipo de dificuldade de financiamento para sua continuidade, diz Brito.
Um contra-exemplo foi o Projeto Genoma em SP. "Escolheu-se de início, e deliberadamente, não se criar uma instituição, mas usar a capacidade existente e disseminada. Evitou-se assim todo tipo de guerra por influência e disputas territoriais tão comuns", conta Brito.
A relevância científica do projeto foi importante para atrair jovens pesquisadores, interessados em aprender e se desenvolver. Foi possível achar essa relevância tecnológica (a Xyllela) exatamente porque as empresas tinham já um belo esforço próprio de Pesquisa & Desenvolvimento no Fundecitrus. As empresas sabiam algo sobre a ciência e a tecnologia do problema que as afligia e assim puderam formular e convencer a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) da oportunidade. Com o sucesso do projeto, começaram a aparecer as empresas, criadas por pesquisadores que lideraram. Um instituto governamental nunca poderá substituir a empresa na identificação de oportunidades e necessidades.
Um dos focos dessa discussão é justamente o da microeletrônica. Já existe o Cenpra, instituto federal cuja missão é desenvolver tecnologia para microeletrônica, diz Brito. O problema do Cenpra é a falta de demanda empresarial no setor, além da escassez de financiamento pelo governo federal. O orçamento do Cenpra, que tem salas limpas, facilidades de fabricação microeletrônica e algumas pessoas muito bem qualificadas na área, deve ser de uns 5 a 10 milhões de reais por ano. Os R$ 300 milhões pagariam 30 ou 60 anos do Cenpra nas condições atuais. Com algum incremento no orçamento, realmente necessário, os R$ 300 milhões poderiam custear uns 20 anos do Cenpra em boas condições, conclui Brito.
Há diferença básica de estratégia, a coreana se abrindo para o mundo, a brasileira pretendendo reinventar tudo aqui. Uma das estratégias da Coréia foi comprar empresas prontas nos EUA e operá-las com times coreanos e americanos. Assim compraram acesso às entranhas da tecnologia e chegaram onde estão hoje.
Tecnologia e conhecimento são coisas nas quais avança quem sabe aprender mais depressa. Aprender supõe interação, e não isolamento.

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