São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O que pode dar errado por aqui


Risco para câmbio e inflação é o óbvio, mas até no comércio exterior surgem motivos para atenuar o pessimismo

COMO A CONFUSÃO americana começaria a afetar o Brasil? A resposta óbvia é: pelo câmbio, por meio da desvalorização do real, o que tende a abalar inflação e juros.
O câmbio pode ser afetado por vários canais. Investidores podem retirar seu dinheiro do país ou suspender investimentos produtivos. Se o comércio mundial esfria, caem a procura por produtos brasileiros e seus preços, que foram às alturas nos últimos cinco anos, em especial no caso de recursos naturais. Quase 60% do valor das exportações brasileiras depende de produtos básicos: ferro, metais, soja, carnes, combustíveis etc. O que será desses preços?
Os economistas do Bradesco acreditam que o preço de certas "commodities" seguirá firme em 2008, com demanda forte em China, Índia etc. O preço dos agrícolas depende pouco da variação do consumo em países ricos, como os EUA. O estoque global de grãos está baixo. E as "commodities" tornaram-se alternativas de aplicações financeiras -protegem investimentos em períodos de inflação; substituem, em parte, ativos em baixa, como ações.
De fato, antes do anúncio de prejuízos bancários monstruosos nos EUA, as "commodities" agrícolas disparavam -na semana passada, houve volatilidade grande, mas tais dados lunáticos são inúteis. Bancos americanos e europeus expandem seus departamentos de "commodities" e gestores desses fundos estão animados, caso ora raro. Bancos que soltaram relatórios recentes sobre "commodity currencies", moedas de países que dependem muito de recursos naturais, têm dito que, em caso de crise, o Brasil se sairia melhor que Austrália e Chile, por exemplo. Enfim, a finança parece crente de que especular com produtos básicos renderá como em 2006 e 2007, quando desde fundos de pensão a pessoas físicas passaram a apostar pesado em índices de futuros de metais e grãos. Ganharam dinheiro e ajudaram a estourar os preços.
Risco? Por ser relativamente pequeno e de menor liquidez, o mercado de aplicações em "commodities" pode levar tombos súbitos. Apesar da ainda grande confiança na China, um bom PIB chinês pode não sustentar certos preços. A China é a grande consumidora de metais industriais, mas reexporta muito do que absorve. Numa crise global, suas exportações cairiam, diz-se. E, por tabela, os preços brasileiros.
O valor da exportação brasileira de produtos básicos tem dependido muito mais de preço que de quantidade vendida. O comércio externo tem crescido menos, mas é impossível discernir nos últimos meses o efeito do ainda pequeno desaquecimento mundial de influências como a do real forte. Mas seria preciso um colapso muito forte no planeta para vermos efeitos relevantes na balança comercial, no curto prazo.
A forte onda de investimento relacionado a produtos básicos no Brasil continua. A Anglo American diz que vai pagar US$ 5,5 bilhões pelos negócios de mineração de Eike Batista.
Um colapso da finança americana parece a ameaça mais imediata para câmbio e inflação. Mas o ineditismo da razoável situação financeira do país torna mais insondável a decisão de investidores internacionais (e a reação do BC). Fuga? Ou ver o Brasil como uma oportunidade, paraíso de juros altos e "commodities"?

vinit@uol.com.br


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