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Celso Pinto retrata mudanças da economia
Coletânea de mais de duas décadas de textos traça o período mais longo de descaminhos da história econômica do Brasil
Artigos publicados pelo jornalista são reunidos no livro recém-lançado
"Os Desafios do Crescimento - Dos Militares a Lula"
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Celso Pinto nunca foi "pop".
Celso Pinto, porém, é o melhor
jornalista de economia do país,
talvez o melhor que já tivemos.
Uma coletânea de mais de duas
décadas de seus textos jornalísticos está sendo lançada agora
("Os Desafios do Crescimento
-Dos Militares a Lula"). Mais do
que memória ou crônica alentada e refletida do período mais
longo de descaminhos e desastres da história econômica do
país, o volume é uma série
exemplar de artigos sobre o benefício das "certezas da dúvida", para lembrar o nome de
um velho livro de um grande
jornalista, Paulo Francis, que
nada em comum tinha com
Celso.
Mesmo tendo sido autor de
importantes "furos de reportagem", Celso jamais cede à tentação "pop", ao que é ou, melhor, parece mais espetacular.
A sua informação nova e relevante é sempre contextualizada. O dado que poderia causar
sensação nas mãos de um profissional menos refletido e informado é atenuado pelo reconhecimento das asperezas e complexidades do mundo real.
Foi sempre assim ao longo de
sua carreira -como repórter da
antiga "Gazeta Mercantil", como colunista desta Folha ou
como diretor do jornal "Valor
Econômico".
O melhor jornalismo é uma
tentativa sempre precária de
errar menos na tarefa cotidiana, e hoje em dia quase horária,
de separar o que é novo do que
meramente causa sensação,
com o fim pretenso de publicar
novidades importantes que sejam tanto de interesse público
como da curiosidade pública. É
uma atividade, pois, quase inviável. No jornalismo econômico, sob um aspecto essa tarefa é
ainda mais difícil.
Há um jorro diário de indicadores econômicos, estudos e
projetos governamentais e privados, além da fábrica de "papers" acadêmicos ou a linha de
montagem de estudos econométricos que diariamente
"provam" isso ou aquilo (para
não mencionar o lobby travestido de ciência e técnica econômicas). No entanto, a vida e o
mundo são menos sensacionais e mais lentos que muito
jornalismo e a profusão de dados querem fazer crer.
A diversidade de fontes a que
Celso tem acesso, a peneira
contra bobagens de sua boa
formação técnica e o painel de
informações que apresenta em
seus textos acabam por colocar
os dados em seu lugar. O resultado desse trabalho é mais reflexão, menos sensação.
Isto posto e obviamente, Celso não é um ente de pura razão,
nem o observador neutro num
ponto ideal. Fica fácil reconhecer, ainda mais à distância de
20 anos, como o jornalista ainda jovem se empolgou demais
com o Plano Cruzado, como
aliás praticamente todo o país,
em 1986 (Celso tinha então 33
anos). Mas, ao longo do livro, o
que se vê com regularidade é a
dúvida, é a crítica suscitada por
perguntas e questionamentos
certeiros. E pelas investigações
certas.
Celso é um caso raro de repórter, especial por combinar o
conhecimento técnico e a paciência do estudo com a agilidade de perceber a grande notícia. Um de seus melhores momentos foi a cobertura das dificuldades do Plano Real com o
câmbio valorizado, quando, entre outras coisas, revelou as
operações então desconhecidas do governo no mercado futuro de moedas, com o que ganhou a inimizade tola de um ou outro membro da equipe econômica de FHC. Rara inimizade, diga-se, pois Celso tem
acesso a fontes pesadas e diversas. "A capacidade de Celso de
escutar e peneirar o que disseram economistas de diversos
matizes alimenta os diálogos
em que se baseiam os artigos
aqui reproduzidos", diz a economista Eliana Cardoso num
dos prefácios.
Celso é tido como um "liberal", muito próximo ou amigo
mesmo de muitos economistas
que formularam o Real, como
Pérsio Arida e André Lara Resende. Aliás, como conta Arida
noutro prefácio do livro, Celso
foi convidado pelo próprio Arida, com a anuência de FHC, para se integrar à equipe econômica, em 1994, não como assessor de imprensa, mas no papel de memorialista crítico, digamos, da empreitada. Celso
declinou o convite, preocupado
em manter a independência
jornalística.
Seja lá o que signifique o rótulo "liberal", Celso fez parte
de uma geração que se frustrou
com vários aspectos das experiências heterodoxas de controle da inflação e que, ao longo
dos anos 80, se desencantou
mais e mais com a capacidade
do Estado de conduzir a economia. Que se indignou com a extraordinária baderna fiscal brasileira, tema explícito ou implícito de muitas páginas do livro.
Mas, dentre as pessoas que se
ocupam de economia, acabou
na prática por se alinhar ao
"consenso central" do que fazer com a política econômica,
comunhão que se estruturou
nos anos FHC. Não que escrevesse manifestos, longe disso.
Mas é possível perceber sua
posição pelo tipo de questionamentos que faz a seus interlocutores. De resto, Celso é muito mais um repórter analítico e ponderado do que um crítico
estridente de tal ou qual política ou linhagem econômica.
O livro relata com muito detalhe uma série de momentos
críticos, desde a formação do
governo Tancredo ao governo
Lula; mostra a política da formação das diretrizes e equipes
econômicas da Nova República, de Collor, de Lula. Termina
em 2003, com o refluxo da crise cambial e de explosão da dívida pública que ocorrera na
eleição de 2002 (Lula versus
Serra). Celso não tem escrito
mais, pois convalesce de uma
parada cardiorrespiratória.
As histórias de "Desafios do
Crescimento", por fim, provocam sentimentos contraditórios a respeito do percurso econômico do país nos últimos 25 anos -e certo alarme, dada a
proximidade de nova crise
mundial (velharias e maluquices e antigos choques voltarão?).
Por um lado, o relato das intricadas crises brasileiras e do
exotismo de muitos instrumentos de política econômica
utilizados entre os anos 80 e
2000 suscita um certo alívio e
estranhamento. Parecem velharias abandonadas: operações exóticas entre o Banco
Central e a Fazenda, controles
cambiais complexos e ineficazes, discussões bizantinas sobre base monetária, a "privatização" antes ainda maior de políticas públicas, as negociações tétricas da dívida externa
e os calotes. Alívio: parece que
o país melhorou.
Mas soa infelizmente muito
atual a recorrência, no livro, da
discussão sobre o descontrole
fiscal, o persistente "problema"
do câmbio, a lembrança da
existência de entulhos da era
inflacionária; sobre a indeterminação do papel de instituições-chave como o Banco Central e a "captura" de políticas do Estado, seja por empresários, economistas ligados às finanças ou outros grupos de interesses muito particulares.
OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO - DOS MILITARES A LULA
Autor: Celso Pinto
Editora: Publifolha/Valor
Quanto: R$ 39 (400 págs.)
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