São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

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CUSTO BRASIL

Impacto da Selic sobre o câmbio pode frustrar expectativa de investimento

Otimismo pode "fazer água" com juros, diz empresário

DA REPORTAGEM LOCAL

A última vez em que a subsidiária brasileira da multinacional Black & Decker enviou dividendos aos seus acionistas nos EUA foi em 1989, há 15 anos.
""Esse é o retrospecto brasileiro para os "gringos" lá fora. É o sobe-e-desce do câmbio, da inflação, das previsões. E nós aqui, tentando mostrar que somos estáveis e viáveis, que agora vai. Essa é a tônica", desabafa o diretor industrial da Black & Decker do Brasil, Domingos Dragone.
O empresário diz que, apesar da onda de otimismo, 2005 ""pode começar a fazer água" por causa da política de juros elevados.
Além do impacto sobre a atividade, os juros altos (que voltaram a subir pelo sexto mês seguido na quarta, de 18,25% para 18,75% ao ano) vêm valorizando o real.
Para obter ganhos com os juros em alta no país, hoje os maiores do mundo em termos reais, investidores internacionais têm trazido dólares para o Brasil, inundando o mercado de câmbio e valorizando a moeda brasileira.
O dólar em baixa tende a desestimular as exportações, uma das principais áreas de ganho de muitas multinacionais.
As americanas Ford e Motorola, por exemplo, além das alemãs Mercedes-Benz, Continental, Voith, Siemens e Basf e a anglo-holandesa Unilever, escolheram suas unidades locais como centros de produção de alguns produtos para exportação para o resto do mundo.
""Agora, o que temos pela frente é um cenário ambíguo. Todos mirando no crescimento, esperando que o governo volte atrás [nos juros]. Mas temo que já se tenha passado da conta", afirma Dragone. Sua empresa esperava trabalhar em 2005 com um dólar acima de R$ 3,00. Na sexta, a moeda fechou a R$ 2,57.
Antonio Corrêa de Lacerda, presidente da Sobeet, entidade que acompanha resultados de multinacionais, diz que ""o maior risco em 2005 é o exagero na mesma política econômica que deu estabilidade para as empresas planejarem mais investimentos".
Mesmo assim, Lacerda afirma que o Brasil ""tem tudo" para aumentar de 20% do PIB para 22% em 2005 a taxa de investimentos.

Juros no balanço
Em seu balanço de 2004 publicado recentemente nos EUA, a gigante de eletrodomésticos Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Cônsul no Brasil, afirma que, ""embora as condições devam permanecer positivas em 2005, os juros no Brasil devem continuar em uma tendência de alta".
No caso da Xerox, há na avaliação dos resultados do último trimestre do ano passado uma citação específica em relação ao Brasil, cujos resultados contribuíram ""negativamente nas margens globais da companhia".
Um empresário que pediu para não ser identificado disse à Folha que, embora haja otimismo com o Brasil, é preciso levar em conta que o país vem perdendo terreno ano a ano para outros concorrentes emergentes.
A participação de apenas 1,87% do Brasil no faturamento global das 197 empresas americanas que atuam no país pode ser até considerada proporcional ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em relação ao do resto do mundo.
Mas é preciso levar em conta, diz esse empresário, que muitas múltis estão no Brasil há mais de 20 anos. Em países como China e Índia, onde elas entraram recentemente, a participação e o crescimento proporcionais têm sido bem mais acelerados.
O diretor da Kodak Flávio Gomes afirma, por exemplo, que, como o Brasil é um ""mercado tradicional e consolidado" para a empresa, ""fica mais fácil" fazer negócios em um país como a Índia, com muito espaço para crescer.

Impostos na AL
""Se a carga tributária no Brasil fosse pelo menos igual à média da América Latina, com certeza poderíamos atrair mais investimentos para cá", afirma Gomes.
Em uma relação de 58 produtos de consumo elaborada pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), a carga tributária incidente sobre os artigos brasileiros é maior em todos eles na comparação, por exemplo, com a média da Argentina, da Colômbia e da Venezuela.
Também se referindo a impostos, a Monsanto afirma especificamente em seu balanço que está questionando uma medida da Receita Federal do Brasil que pode causar uma perda de US$ 18 milhões para a companhia.
""Ainda estamos avaliando a validade da notificação", diz a empresa. (FERNANDO CANZIAN)


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