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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desajuste maligno
LUCIANO COUTINHO
Metas de inflação irrealistamente estabelecidas para
2005 vêm obrigando o Banco
Central a praticar uma taxa real
de juros astronômica. A conjugação desta com significativos superávits fiscal e em conta corrente,
sob um regime de flutuação cambial, tornou o real uma aposta óbvia para os especuladores internacionais no contexto atual pró-depreciação do dólar. Os dois
enormes déficits dos Estados Unidos (externo e interno) ensejaram
um movimento especulativo contra o dólar com simultânea apreciação das moedas flutuantes, ouro e commodities. Em muitas economias, os bancos centrais têm
evitado a apreciação cambial intervindo firmemente para contrabalançar essas operações especulativas. Agindo assim, mantêm a
competitividade de suas exportações para toda a área do dólar
(Estados Unidos, Canadá, América Latina e boa parte da Ásia, da
África e do Oriente Médio) e ainda a reforçam em relação às economias que têm permitido a
apreciação de suas moedas (como
o Brasil, a Europa e o Japão).
Os bancos centrais dispõem de
vários instrumentos: aquisição de
reservas, "swaps", operações nos
mercados futuros, controles e normas. É possível escolher o "mix"
mais adequado aos objetivos macroeconômicos. Não é verdadeira,
portanto, a alegação de que há
pouco a fazer para evitar mais
apreciação do real.
A tolerância das nossas autoridades diante da apreciação ininterrupta da taxa de câmbio é
alarmante. Minimizam o efeito
deletério sobre a balança comercial e pretendem usar o câmbio
valorizado como fator antiinflacionário. Recorrem à falácia ao
apontar os bons resultados recentes da balança comercial "apesar
da taxa de câmbio média de R$
2,70". Esquecem-se de que os resultados correntes das exportações e das importações respondem a decisões tomadas há mais
de cinco ou seis meses -quando
a taxa de câmbio ainda era razoavelmente competitiva. Incorrem em grave erro.
Desde logo, um conjunto de cadeias exportadoras brasileiras se
vê significativamente prejudicado em suas operações para a área
do dólar. Nas cadeias em que
houve forte pressão de custos nos
últimos meses (aumentos do aço,
energia e petroquímicos), a erosão da rentabilidade das exportações é ameaçadora. É o caso dos
setores de bens eletrônicos, automobilístico-autopeças, de tratores
e máquinas agrícolas, de equipamentos elétricos, têxtil e vestuário, de borracha, de produtos alimentares, de açúcar e de produtos
metalúrgicos não-ferrosos, conforme assinala recente estudo da
Funcex (Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior) encomendado pelo Iedi (Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento
Industrial). Poucos têm conseguido escapar dos efeitos detrimentais da apreciação cambial. Isso
ocorre devido à elevação de seus
preços no mercado internacional
ou ainda pelo fato de exportarem
primordialmente para a área do
euro (porquanto não é significativa a apreciação do real ante o euro). Entre essas exceções citam-se
a siderurgia, os derivados de petróleo e a petroquímica.
Essa perda de rentabilidade das
exportações decerto impactará o
desempenho futuro da balança
comercial, considerada a defasagem entre decisões e resultados.
Do lado das importações, o efeito
tende a ser mais rápido. Deve-se
esperar por um surto de importações de bens de consumo e de gastos com turismo no exterior (especialmente na área do dólar) em
detrimento do saldo da balança
comercial de bens e serviços.
Em muitos setores, o mercado
externo só se tornou um alvo estratégico para as empresas a partir das depreciações cambiais pós-1999. O descompromisso do Banco Central com respeito à competitividade das exportações pode
fazê-las abandonar esse alvo, reorientando o foco para o mercado
interno, hoje em expansão. No caso das transnacionais, por exemplo, as plataformas brasileiras podem perder, rapidamente, "mandatos" de exportação de partes ou
produtos. Investimentos em ampliação de capacidade para exportação ou em criação de bases
operacionais/comerciais no exterior podem ser postergados.
Não devemos nos deixar iludir
pelo fato de que o comércio exterior continuará exibindo resultados confortáveis nos próximos
meses. Tampouco pelo fato de
que, em várias cadeias, os bons
preços internacionais continuarão permitindo ganhos com as exportações apesar da defasagem
da taxa de câmbio. O relevante é
que, no que toca aos manufaturados -cuja participação nas vendas externas deveria ascender-,
é inegável o risco de retrocesso. A
taxa de câmbio brasileira vis-à-vis o dólar deveria flutuar hoje
em níveis superiores a R$ 2,90 para assegurar um desempenho sustentado das exportações a partir
de 2006 -quando se espera uma
reversão dos preços de nossas
commodities de exportação, num
contexto de desaceleração do
crescimento mundial. O Banco
Central, portanto, deveria ser
muito mais incisivo na aquisição
de reservas. Ter um balanço de
pagamentos robusto, com reservas muito maiores, é um dos pré-requisitos para a estabilidade da
inflação (baixa volatilidade cambial) e para o crescimento sustentado. O outro pré-requisito é o desempenho prudente das contas
fiscais. Monofocado nas suas metas de inflação, o Banco Central
ignora essas premissas e fabrica
desajuste macroeconômico ao
onerar a política fiscal com crescentes encargos de juros e ao pôr
em risco a recuperação da posição
externa do país.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foi secretário-geral do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1985-88).
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