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Americanos e franceses polarizam convenção da Unesco
ALAN RIDING
DO "NEW YORK TIMES"
A idéia de promover a diversidade cultural em todo o mundo
parece razoável. Reconhece que
todos temos a lucrar com o livre
fluxo de idéias, palavras e imagens. Encoraja a preservação de
tradições locais e linguagens minoritárias, digamos. Trata as culturas dos países pobres e ricos como iguais. E, em termos mais restritos, oferece um antídoto contra
a homogeneidade cultural.
Mas tentar transformar essa
idéia aparentemente positiva em
um tratado internacional começa
a gerar uma série de complicações. Desde outubro de 2003, os
190 países membros das Unesco
estão trabalhando no tratado, conhecido provisoriamente como
Convenção sobre a Proteção da
Diversidade de Conteúdos Culturais e Expressão Artística. A idéia
é que o texto seja aprovado por
consenso no final deste ano, mas
não contem com isso. Nem mesmo um acordo quanto ao nome
definitivo do tratado foi obtido.
Mas essa é uma questão é pouco
importante quando comparada a
divergências mais fundamentais.
Liderada pela França e pelo Canadá, a maioria dos países negociadores quer asseverar o direito dos
governos a salvaguardar, promover e até mesmo proteger suas
culturas contra a concorrência externa. No campo oposto, um grupo menor de países liderado pelos
Estados Unidos argumenta que a
diversidade cultural tem mais
condições de florescer na liberdade de uma economia globalizada.
Um esforço para romper o impasse está em curso na sede da
Unesco, em Paris, onde delegados
dos países-membros e especialistas trabalham nas centenas de
emendas propostas para a primeira versão do texto. Mas, quanto mais avançam rumo a definições concretas, menos provável se
torna que um consenso possa ser
obtido. O motivo é simples. Por
trás do manto idealista da diversidade cultural, há sérias questões
econômicas e políticas em jogo.
Exceção cultural
A história começou com a última grande rodada de medidas de
liberalização do comércio mundial, cerca de uma década atrás,
quando a França obteve uma chamada "exceção cultural", que efetivamente autorizava a adoção de
medidas protecionistas para a
cultura. Agora, França e Canadá
querem avançar ainda mais. Ao
tornar a diversidade cultural parte
indissociável de uma convenção
da Unesco, desejam proteger a
cultura das regras de livre comércio impostas pela OMC (Organização Mundial de Comércio).
Certamente, como maior exportador de filmes, programas de
televisão e outras formas de conteúdo audiovisual, os Estados
Unidos acreditam que sofrerão
caso surjam novas restrições ao
intercâmbio cultural. Quando os
norte-americanos puseram fim
aos seus 19 anos de boicote à
Unesco, no final de 2003, os planos para a convenção já estavam
bem adiantados. Em lugar de
anunciar seu retorno à organização com objeções, os Estados
Unidos optaram por defender sua
posição durante as negociações.
O anteprojeto de texto do tratado, apresentado por 15 especialistas em 2004, tentava satisfazer a
todos ao endossar o "livre fluxo
de idéias, em forma de palavras e
imagens", e ao ressaltar que bens
e serviços culturais "não devem
ser tratados como mercadorias
comuns ou bens de consumo".
A resposta norte-americana foi
clara. Embora o país apóie o princípio de diversidade cultural, advertiu que "controlar a expressão
cultural não é consistente com o
respeito aos direitos humanos ou
o livre fluxo de informações".
Louise V. Oliver, embaixadora
dos EUA à Unesco, explicou que
"apoiamos a "proteção" como forma de alimentar a cultura, mas
não apoiamos a "proteção" como
forma de impor barreiras. Isso
posto, "proteger" continua a ser
um conceito bastante controverso no contexto da diversidade cultural, e por isso continua a ser
uma questão sensível".
Exportação de novelas
As linhas de batalha estão se tornando claras. França e Canadá
têm o apoio da China e dos países
africanos, bem como de boa parte
da América Latina, ainda que México, Brasil e Venezuela desejem
liberdade para continuar exportando novelas. O apoio à visão
norte-americana quanto ao livre
comércio vem de outros países
com interesses comerciais a defender: o Japão, devido à sua indústria de filmes de animação, e a
Índia, em função de Bollywood,
sua indústria cinematográfica.
Mas toda a atenção está concentrada nos EUA. "O objetivo norte-americano é que não haja convenção", disse um diplomata latino-americano, sob a condição de que
seu nome não seja divulgado,
"mas, caso haja alguma flexibilidade, os EUA não terão opção senão aceitá-la".
Funcionários do governo francês demonstram menos otimismo. Dizem que, ao usar emendas
para impedir a assinatura de um
acordo no final do ano passado, a
esperança de Washington era de
que todo o debate viesse a se emaranhar com as negociações de livre comércio que devem abrir nova rodada no ano que vem.
"Antecipo a abordagem usual
dos EUA", disse Garry Neil, diretor-executivo da Rede Internacional pela Diversidade Cultural, organização não-governamental sediada em Ottawa. "Eles assumirão
uma linha dura, debilitarão o texto ao máximo e depois não assinarão." Certamente, caso os EUA
considerem que a versão final do
tratado é inaceitável, poderiam
romper a tradição de aprovação
por consenso e solicitar a votação.
Mas, mesmo que o texto seja
aprovado por consenso, é provável que o Senado não o ratifique.
Isso faz diferença?
Provavelmente não para a França, Canadá e alguns poucos defensores do nacionalismo cultural. Desde que uma convenção seja adotada e entre em vigor, alegarão ter autoridade suficiente para
proteger suas culturas.
Mas uma questão mais interessante seria determinar a capacidade da convenção para ajudar a
sustentar a diversidade cultural
em países pobres demais para
promovê-la sozinhos. Esse, afinal,
é um dos supostos objetivos do
exercício. No momento, corre o
risco de ser esquecido.
Tradução de Paulo Migliacci
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