São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"RISCO-PAÍS"

Segundo pesquisa, mais de mil novas firmas foram abertas no ano passado com o objetivo de lesar clientes e fornecedoras

Brasil ganha 3 empresas golpistas por dia

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

No ano passado, por quase 40 dias, uma companhia prestadora de serviços se apossou de diversas peças que pertenciam às máquinas de uma empresa de porte médio de São Paulo. A idéia era fazer uma revisão no maquinário, que foi retirado com o consentimento da fábrica. O tempo passava, e nada de as peças voltarem, o que acabava atrapalhando a produção da indústria. A dor de cabeça só acabou quando um advogado contratado localizou a empresa prestadora de serviços e encaminhou ao grupo uma notificação ameaçando acionar a polícia.
"O que eles querem é receber caro pelo serviço e ficam na pressão. Repetem sempre o golpe porque há quem aceite negociar. O erro, aí, é entrar na negociação com eles", afirma Antonio Sérgio Moraes Pitombo, advogado criminalista há 12 anos, que acompanhou o caso de perto.
Há dezenas de golpes entre empresas na praça, que vão desde o uso de notas frias na contratação de serviços -ou na compra e venda de produtos- até a não-entrega de um serviço já pago e acertado entre as partes.
"O golpista é movido pela boa-fé alheia", diz Alexandre Cambach, gerente comercial da SCI/Equifax, empresa norte-americana responsável por análises de crédito para grupos privados no país.
"Há golpes comuns. A empresa fantasma fecha diversos acordos de compra de mercadorias. Paga corretamente pelos primeiros lotes e, depois de conseguir a confiança do parceiro, pede um lote maior de produto. Aí, ela dá o calote e desaparece", afirma.
Pelos cálculos da SCI/Equifax, estima-se que, em 2004, entre 1.000 e 1.100 empresas foram abertas no país para dar algum tipo de golpe, o que dá cerca de três por dia. O resultado fechado será anunciado em março, mas Cambach acredita que ele deva girar em torno desses números.
Em 2003, segundo registro da companhia, foram 934 empresas -portanto, será uma elevação de até 17,7% sobre o ano anterior.
A análise foi feita por meio do Depec (Departamento de Pesquisas Especiais) da SCI/Equifax. Os técnicos utilizam o banco de dados de juntas comerciais, de empresas do varejo e do setor industrial -a consultoria tem 28 mil companhias filiadas a seu banco de informações- para tentar identificar grupos golpistas. A existência só é confirmada e passa a fazer parte do levantamento anual, se algum golpe é realizado.
Cresce o número de companhias envolvidas nessas operações, assim como o volume de perdas das empresas com as fraudes. Em 2003, a SCI/Equifax calcula que as perdas provocadas pelas 934 golpistas chegaram a R$ 43,4 milhões -R$ 700 mil acima do montante de 2002.
Até agosto de 2004, o valor atingiu R$ 21,6 milhões em 689 grupos identificados nos primeiros oito meses do ano. O volume é obtido pela SCI/Equifax com base nas informações das companhias vítimas das fraudes que protestaram os títulos na Justiça. É possível que o número seja maior, levando em consideração a possibilidade de que nem toda companhia vítima protesta a perda.
Atualmente, a Serasa (Centralização de Serviços Bancários) e a SCI/Equifax vendem serviços para orientar companhias sobre como evitar fazer negócios com empresas "sujas" no mercado.
Empresa antiga, desativada por anos, que de repente volta a operar somas elevadas ou companhia que atua em diferentes ramos de atividade, sem conexão entre eles, podem motivar alerta pelas consultorias em relatórios enviados para quem contrata os serviços.

Na pobreza e na riqueza
Os números mostram (leia quadro abaixo) que a ação dos golpistas independe do humor da economia. Isso acontece porque em cenários de crise aguda (como em 2002 e 2003) as companhias acabam reduzindo seus controles na tentativa de fechar bons contratos de venda e compra e para melhorar seus resultados.
Ao mesmo tempo, em períodos de bonança, como em 2004, as vendas tendem a crescer, e, com isso, entra mais dinheiro. Então, a companhia relaxa o controle.
As empresas de análise de crédito afirmam que há cuidado em não identificar uma empresa como golpista se o que acontece não é má-fé do grupo. Um fornecedor pode, por exemplo, atrasar entregas por conta de uma crise financeira na companhia.
Nesse caso, as empresas que contratam os serviços de consultorias podem obter a informação a respeito da companhia em dificuldade e têm a chance de verificar se há o risco em fechar um negócio com o grupo.
É difícil compreender por que as companhias se deixam enganar por grupos golpistas sem tomar medidas de proteção. Para advogados especialistas em direito criminal, nem todas as companhias, principalmente as de pequeno porte, têm acesso aos sistemas de informação das consultorias.
Além disso, a simples consulta do CNPJ, o recurso mais fácil para as empresas se protegerem, já não é uma boa garantia. Isso porque nem sempre o fraudador tem o nome sujo na praça. Ele abre empresas "laranjas" -usa o nome de desconhecidos- que podem ter o cadastro como pessoa jurídica limpo.


Texto Anterior: Americanos e franceses polarizam convenção da Unesco
Próximo Texto: "Fantasma" em SP deu prejuízo de R$ 164 mi
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.