São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Coisas inacomodáveis


É preciso combater com vigor os focos de violência urbana, sustentada pelo comércio ilegal de drogas e armas


TERÇA-FEIRA de Carnaval deveria ser dia de leitura leve, de assuntos lúdicos. Mas, com um pedido de desculpas, sugiro reflexões sobre um tema pesado e importante. Começo pela conclusão: a sociedade brasileira tem o mau hábito de se acomodar com acontecimentos que deveriam ser considerados inaceitáveis.
Dias atrás, uma senhora idosa foi acordada às 3h por um telefonema dando conta de seqüestro de pessoa da família. Era um falso seqüestro -nova modalidade que prospera impunemente nas grandes cidades, às vezes comandadas por presidiários que usam celulares. Até descobrir que se tratava de trote, com objetivos escusos, essa senhora já havia sido exposta a horas de terror.
São Paulo já se acostumou com esses falsos seqüestros. Pouco ou nada se faz para debelá-los, e a vida continua. Isso é péssimo, porque a tendência ao comodismo é generalizada. Quando houve os primeiros casos de ataques a delegacias e a outros prédios públicos, em maio de 2006, parecia que o país iria explodir. Hoje os ataques continuam, em menor número, é verdade, mas não merecem mais do que pequenas notas nas primeiras páginas dos jornais. Acomodamo-nos.
Quando surgiram os casos de corrupção envolvendo partidos políticos, em 2005, parecia o fim dos tempos. Passados menos de dois anos, restam vagas lembranças daqueles dias tensos, e muitos dos acusados já voltaram à vida pública sem que se saiba ao certo se são culpados ou inocentes. Acomodamo-nos.
Há duas semanas deu-se o tenebroso caso do menino João Hélio, arrastado por bandidos até a morte nas ruas do Rio de Janeiro. Outra vez o país entrou em erupção, sob o clamor público por leis e punições mais severas aos criminosos. Mas, então, veio o Carnaval. Quanto tempo levaremos até nos acomodarmos também com esse caso?
O principal acusado por esse crime brutal, se condenado, pegará de 20 a 30 anos de prisão. Cumprido um sexto da pena, poderá ter liberdade condicional. Em cinco anos, com apenas 23 anos e já graduado na escola do crime dos presídios, poderá estar na rua novamente.
É frágil o argumento padrão de que não se deve legislar em clima de comoção, retomado na semana passada. Comoções como essa têm o poder de mover estruturas enferrujadas e legisladores lentos. Representam oportunidades de sair da acomodação. Não para o ódio cego, mas para ações práticas e inadiáveis. A partir da comoção, por exemplo, soube-se que havia, parados na Câmara Federal, dez projetos para coibir crimes. Foram postos em movimento. Até quando? Quanto tempo levaremos para esquecer tudo?
Há três meses, Ana Cristina Johannpeter foi morta ao parar em um sinal de trânsito no Rio de Janeiro. O assalto que ceifou a vida do menino João Hélio também começou em um sinal de trânsito. Não estaríamos muito acomodados com o assédio a motoristas nos sinais? Não estaria na hora de coibir esse comércio nos semáforos, que leva o motorista a pensar que assaltantes são vendedores de bugigangas ou entregadores de folhetos?
Outro argumento comum diz que nada adianta reduzir a maioridade penal para 16 anos. Pode ser. Mas, certamente, a impunidade desses menores também não os incentiva a abandonar o crime, muito pelo contrário. Não estaria na hora de conceder a juízes e a médicos a capacidade de emancipar judicialmente menores autores de crimes bárbaros, como propõe o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral?
É verdade que esses menores infratores, em geral desempregados e sem escola, são vítimas arregimentadas por maiores criminosos. Só a melhor distribuição de renda com crescimento econômico, os programas sociais, a educação e o esporte poderão minorar esse problema a médio e a longo prazos. Mas, no curto prazo, ninguém discorda: a solução é sair do comodismo e combater com vigor os focos de violência urbana, sustentada em grande parte pelo comércio ilegal de drogas e armas.
Na última quinta-feira, a Folha publicou editorial propondo ação, com 12 sugestões para combater impunidades. Não são delírios. São medidas práticas e implementáveis na batalha contra o crime. A sociedade sabe o que precisa fazer. Mas precisa perder o hábito perverso, filho do "jeitinho brasileiro", de acomodar coisas inacomodáveis.


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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