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OPINIÃO ECONÔMICA
Antropófagos tributários
PAULO RABELLO DE CASTRO
Parece piada , mas não é:
"Fazenda quer tributar a
poupança", dizia a manchete dos
jornais do último fim de semana.
Para qualquer economista com
um mínimo de cultura das teorias
de crescimento econômico, a notícia soa como: "Governo agora
quer tributar a circulação do sangue no corpo humano".
Lendo com mais cuidado, descobre-se que a sanha tributária
do governo tem uma boa desculpa distributivista. A "idéia", ainda em "estudo", é tributar a caderneta de poupança, compensando o aplicador com aumento
dos juros (de 6% para 7,5%) e,
com o resultado da nova arrecadação fiscal, da ordem R$ 2 bilhões, criar um subsídio para os
financiamentos habitacionais.
Vocês compreenderam? Não?
Pouco importa. Mesmo eu, que
na modéstia dos meus canudos
venho estudando esse assunto há
tempos, não consegui compreender absolutamente nada desse
novo balão de ensaio dos nossos
capatazes fiscais.
O governo, no âmbito tributário, parece estar chegando ao
mais absoluto paroxismo. Não
restam mais, aos nossos governantes, peias em sua escalada de
impostos, taxas e contribuições de
toda e qualquer natureza. Pior.
Existe, na mídia serventuária e
acomodada, a vontade de repetir
a sabedoria convencional importada, que cumula de elogios o desempenho de quem "salva a pátria sangrando os patriotas".
Quem já ouviu, por exemplo, o
protesto do FMI contra o aumento brutal da carga tributária no
nosso país? Silêncio... Se a alta da
carga serve para fechar as contas
das despesas explosivas no governo e se isso parece trazer a "tranquilidade" aos mercados financeiros, que cobram os juros mais
altos do mundo, a opinião dominante na mídia estará de acordo,
repetindo o argumento -de fato
sem sentido- de que o governo
está de parabéns por haver "equilibrado" as contas públicas.
O governo equilibrou suas contas, as contas dele, às expensas
das do setor produtivo. Com isso
tem pactuado o Congresso, sempre apressado em votar essa escalada impositiva para garantir a
massa brutal de recursos que
transita por Brasília. As projeções
da carga tributária nacional para
o corrente ano de 2002 são alarmantes: nossas estimativas, na
RC Consultores, aproximam esse
valor de 35%, na mera hipótese
-aliás provável- de prorrogação da CPMF. A arrecadação federal e dos Estados tem, neste
ano, um crescimento projetado de
quase 20%, ante uma inflação de
5%, e um crescimento real da base produtiva do país de apenas
2,5%. Chama-se isso de eficiência? Enquanto o governo engorda
15% reais, a esquálida economia
contribuinte se arrasta nos 2,5%.
O governo "come" seis vezes mais
rápido que o povo. É a perfeita
antropofagia fiscal.
Os nossos antepassados não
gostavam de comer o branco que
chorava antes de ir para a panela.
Parece que estragava a carne ou
dava azar. Hoje, somos os índios
que estamos sendo comidos pelo
leão tributário, sem direito ao
choro ou compaixão. Exagero?
Nem um pouco. Outro dia, recebi
notificações para recolhimento de
taxas de fiscalização atrasadas,
as quais caberia ao próprio órgão
oficial ter cobrado no momento
devido, dois, três anos atrás, mas
não o fez no tempo certo. Por esquecido que foi, cobra-me, agora,
com multa e juros. Os juros são os
praticados pelo mercado entre
1998 e 2001, ou seja, os mesmos
que ele, governo, teve que pagar
por ser um devedor inconfiável.
Em outras palavras, sou culpado
pela culpa do governo e não tenho
direito a recurso porque a cobrança já vem devidamente forrada
das ameaças de praxe: o Cadin, a
impossibilidade de certidão da regularidade, e por aí vai.
Ninguém nega ao poder público
a necessidade e o poder de tributar. Porém algo de errado há num
país em que a escalada tributária
calculada pela carga fiscal veio
ascendendo de 24% no início dos
anos 90 para os projetados 35%,
dez anos depois. Óbvio que a carga fiscal será tão maior quanto
mais vagaroso for o crescimento
do país. Mas, quando se torna desesperado o aumento da carga fiscal, passa a ser, em grande parte,
responsável pelo não-crescimento
do país. Não parece haver dúvida
quanto a isso. O Brasil de ontem,
dos anos 50, 60 e 70, praticava
menos invasão fiscal ao contribuinte e o país crescia, ainda que
com inflação (outra forma de imposto), na faixa de 5% a 10% ao
ano. Os brasileiros respiravam.
Hoje não respiram mais. O sócio
oculto leva a maior parte do valor
agregado pelas empresas. Nenhum indivíduo que cumpra suas
obrigações fiscais começa a trabalhar para si próprio antes de
maio. É porque passa, de janeiro
a abril, trabalhando para sustentar o governo. Faz sentido?
Discutimos muito o crescimento
e a urgência de reduzir a pobreza
por meio de recursos públicos. Só
com a CPMF, se prorrogada, serão arrecadados cerca de R$ 20
bilhões em 2002. Dizem que essa é
a contribuição que retornará para a saúde e para a Bolsa Escola,
nobres objetivos que ninguém
discute. Contudo o prato de comida do brasileiro, a cesta básica,
continuará taxado por uma das
mais pesadas tributações do
mundo, recheado de ICMS e contribuições federais. Por que a arrecadação da CPMF não é usada
para desonerar os tributos do
prato de comida, só para começar
a redistribuir saúde para a base
da saúde da sociedade, por meio
da boa e barata alimentação? São
perguntas sem resposta.
Por que, por exemplo, a CPMF
não é compensada ou descontada
dos recolhimentos dos empregadores ao INSS, aliviando o encargo social na relação de emprego,
desonerando a mais espúria forma de contratação já inventada
para destruir postos de trabalho
formais no Brasil?
Não. O discurso oficial está congelado no seu espasmo arrecadatório. O tributo virou um fim em
si mesmo, uma forma de manifestação imperial, ornada pelos elogios dos credores externos. Por isso é que abrimos o jornal para ler
a manchete esquisita: governo
que taxar poupança. Todas as
formas de crescimento serão punidas. Estamos nos aperfeiçoando, rapidamente, na arte de devorar nossos próprios pedaços.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
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