UOL


São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A vitória do homem-massa

O comportamento da imprensa norte-americana na guerra contra o Iraque traz à tona reflexões preocupantes sobre o papel da mídia nas modernas democracias. Cada vez mais, não deu manchete, não aconteceu. O avanço da democracia tornou a opinião pública uma referência cada vez mais relevante.
A agilidade do mundo moderno e a busca de resultados rápidos acabaram reduzindo o peso das instituições tradicionais, como o Parlamento e o Judiciário. Fora do período eleitoral, as pesquisas de opinião acabam por condicionar o comportamento das autoridades.
Além disso, a partir do episódio Watergate, a manipulação de denúncias tornou-se elemento corrente no jogo político, ampliando ainda mais a influência da mídia.
De seu lado, a mídia tornou-se cada vez mais um produto de marketing, prisioneira de suas próprias pesquisas de opinião e -por causa da crise internacional do setor- muito mais temerosa de ir contra o que considera pensamento majoritário de seus leitores.
Mais que isso, a crise atual da mídia não pode ser encarada como um movimento conjuntural. A mudança é estrutural. Ampliaram-se desmedidamente as fontes de divulgação, pulverizaram-se as verbas publicitárias, enfraquecendo e/ou tornando superficial a mídia tradicional, que era referência de opinião.
Criou-se, aí, um cadinho perigoso, que acabou provocando esse paradoxo: em plena época da informação, em pleno século 21, uma manipulação do noticiário na nação mais poderosa do planeta.
Não apenas isso. Hoje em dia, há uma ampla pobreza na discussão econômica, na discussão de projeto de país, uma enorme dificuldade para discutir políticas tecnológicas, de saúde. Por vezes fica-se pensando que nossa geração é intelectualmente pobre, não gerou um Eliezer Baptista, um Roberto Campos, um Celso Furtado. Mas, às vezes, baixa o temor de que a superficialidade seja inerente ao mundo contemporâneo.
A televisão não comporta mais do que duas frases articuladas. As revistas têm espaço restrito e, pelo menos desde os anos 70, as reportagens são planejadas antes que o conteúdo seja apurado, na velha receita do "Times". Os jornais têm espaço para os chamados artigos de fundo, mas o que conta e influencia são as manchetes. E todas elas são condicionadas pelo que se pensa que o leitor queira receber, simplificando sempre para não atrapalhar o produto. Esses movimentos acabam se impondo sobre o Parlamento e, muitas vezes, condicionando ações do Judiciário.
Não surpreende, pois, o comportamento de manada tomando conta da mídia, os linchamentos, a mediocrização das fontes privilegiando sempre aquela que traz obviedades sem risco. É esse modelo que faz com que, na pátria dos direitos individuais, em pleno século 21 se tenha o retorno ao macartismo.
Ao ver o destino da humanidade nas mãos de uma pessoa como George W. Bush, a maneira extremamente fácil com que se manipulam informações, com que se investe contra a racionalidade, há que pensar que, em vez da nova Renascença, o futuro nos reserva a vitória final do homem-massa sobre a razão e o bom senso.

E-mail -
lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Imposto de renda: Veja como é a isenção do aposentado
Próximo Texto: Guerra: OMC já admite que conflito atrasará acordos
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.