São Paulo, sexta-feira, 20 de março de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Micagens dos povos do mercado


Após o BC dos EUA anunciar que despejaria dólares no país, mercado especula com inflação, dólar e commodities


FAZ UNS DEZ meses, europeus protestavam nas ruas contra combustíveis caros. Americanos paravam de viajar de carro. Pouco antes, o preço do petróleo esbarrara rapidamente na casa dos US$ 140 por barril. Ainda em junho de 2008, a China aceitava um reajuste de 96% para o preço do minério de ferro importado. Temiam-se inflação e escassez de comida, minérios e petróleo. Ressalte-se que isso ocorria no ano passado: 2008, favor prestar atenção. Não se trata de outro século ou era geológica, como parece.
Por que a lembrança? Ontem, os povos do mercado, mais exóticos que os povos da floresta, falavam em toda parte de "inflação", "proteção contra preços altos", "contra a queda do dólar", "fazer hedge com commodities". Dito e feito: compraram commodities, venderam dólares, marquetavam títulos públicos indexados à inflação etc. Foi uma reação, que não se sabe bem se estereotipada ou estúpida ou espertinha ou especulativa, à decisão do banco central dos EUA de despejar dinheiro na economia infartada.
Por quê? Por que talvez as taxas dos títulos públicos de longo prazo e os juros de mercado nos EUA caiam mais. Talvez o Fed não "saiba como enxugar os dólares, quando terminar a crise" -no dia de são Nunca, de tarde, decerto. Mas foi o bastante para ressuscitarem a palavra inflação. Parece tolice, nesta recessão sem fim ainda visível, mas era o que os povos dos mercados diziam ontem. Por imitação, mímica, micagem ou comportamento de manada, derrubaram o dólar e compraram commodities como se revivessem, ainda que em escala milesimal, os acontecimentos do final de 2007.
Quando o caldo começou a entornar nos EUA, o Fed passou a baixar juros, em setembro de 2007. O dinheiro ficava ainda mais barato no mundo, as economias ainda cresciam bem, quase ninguém acreditava em recessão e a demanda por recursos naturais estava no pico. Os povos dos mercados fizeram uma última aposta nessa onda. Vendiam dólares, tomavam mais dinheiro emprestado a juro baixo (em iene, por exemplo), compravam e supervalorizavam moedas de países exportadores de commodities, como o Brasil. Compravam ativos lastreados ou ligados a commodities, inflando ainda mais seus preços, a fim de especular numa só direção ou de se proteger da queda do dólar.
Como bem se sabe, tudo isso explodiu, a demanda de commodities afundou, o dinheiro ficou caro ou desapareceu. Prejuízos monstruosos provocaram o desmonte dessas posições, o que causou derrocada ainda maior do preço dos recursos naturais. A demanda de dólares para o pagamento de dívidas e para o desmonte de posições, além da busca de um colchão seguro para o dinheiro, fez a moeda dos EUA ressuscitar. Até o mês passado.
Em dois dias, o dólar caiu mais em relação ao euro. Caso tal situação perdure, os europeus estarão mais encrencados, pois suas exportações cadentes ficarão ainda mais caras (e os juros da eurozona estão bem mais altos do que no resto do mundo rico). Melhor seria dizer "supondo que tal especulação perdure", pois a economia do mundo não dá a menor pinta de que o consumo de qualquer coisa vá crescer tão cedo. Mas o mercado está aprontando alguma.

vinit@uol.com.br


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