São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2006

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ECONOMIA GLOBAL

Fundo prevê que país crescerá só 3,5% em 2006, menos que o mundo (4,9%) e a América Latina (4,3%)

FMI alerta Brasil sobre gasto em ano eleitoral

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

O FMI (Fundo Monetário Internacional) exortou ontem o Brasil a "resistir às pressões para afrouxar a atual disciplina fiscal" e a manter como prioridade os superávits primários elevados para pagar os juros de sua dívida.
A cobrança veio em um momento de desconfiança interna sobre a capacidade e a real vontade do governo Lula de segurar despesas neste ano eleitoral, apesar de repetidas promessas de que o rigor fiscal será mantido.
"Para continuar os progressos na redução do endividamento, será importante resistir às pressões para um afrouxamento da atual disciplina fiscal e manter os superávits primários", diz o FMI no relatório "Perspectivas para a Economia Mundial", divulgado ontem, em Washington.
Uma série de indicadores revelam tanto um inchaço no setor público federal no Brasil quanto um crescente aumento nas despesas obrigatórias, como as relacionados à Previdência, e nos gastos voltados à área social.
Para o FMI, o Brasil permanece na "zona de risco" que agrupa países com um nível de endividamento público superior a 50% do PIB (Produto Interno Bruto).
O superávit primário (economia para pagar juros da dívida) vem caindo no Brasil. No segundo semestre do ano passado, o nível acumulado em 12 meses ficou acima de 5% do PIB. Hoje, a trajetória é de queda, aproximando-se dos 4,25% da meta estipulada pelo governo.

Deterioração global
Em seu relatório, o FMI afirma que o Brasil e demais países da América Latina podem sofrer com uma queda na demanda mundial por commodities e que "uma deterioração no ambiente financeiro global representa um risco elevado dado o atual nível de endividamento".
O Fundo também recomendou novas reformas para tornar o "ambiente de negócios" mais favorável a investimentos no país.
"A questão central agora é realizar reformas para tornar o Brasil mais competitivo. Isso inclui o setor financeiro, para reduzir os enormes "spreads" nas taxas de juro, e baixar os custos para a abertura de negócios", disse o economista-chefe do Fundo, o indiano Raghuram Rajan.
Rajan citou o setor agropecuário brasileiro como "exemplo" de sucesso. "Estender [essa experiência] para outras áreas seria muito importante", disse.

Previsões de crescimento
Diante dos entraves com o endividamento e a burocracia, o FMI previu mais uma vez um crescimento para o Brasil em 2006 e 2007 abaixo da média mundial. O país deve crescer 3,5% nos dois anos, enquanto o mundo deve alcançar 4,9% e 4,7%, respectivamente. Em 2006, o Brasil também deve ficar bem aquém da média da América Latina, de 4,3%. O governo brasileiro é mais otimista e espera um aumento do PIB ao redor de 4,5% neste ano. O mercado trabalha com números mais próximos aos do Fundo.
Quase todas as economias tiveram as taxas de crescimento revistas para cima no atual relatório em relação ao de setembro passado. Uma das poucas exceções é o Brasil, que ficou nos 3,5%.
O mundo como um todo teve o crescimento revisado em 0,6 ponto percentual, para os 4,9% previstos neste ano. Será o quarto ano consecutivo em que a economia global superará os 4% ao ano -algo inédito em 35 anos.
A principal boa notícia nas estatísticas do Fundo é que, desta vez, o crescimento mundial está bem espalhado e não dependente apenas do desempenho da economia norte-americana ou chinesa. Japão (2,8% em 2006) e a própria América Latina (4,3%) darão maior sustentação ao desempenho global.
Entre os riscos apontados pelo Fundo, constam o elevado preço do petróleo (haveria uma probabilidade de 15% de o óleo superar os US$ 80 o barril), a carência de reformas trabalhistas na Europa e os desequilíbrios na economia dos EUA -a maior do planeta.
"Infelizmente, muito pouco tem sido feito em muitos lugares. Em vez de enfrentar os problemas de frente, políticos em muitos países atacam alvos mais fáceis, como imigrantes que trabalham duramente por muito pouco dinheiro", disse Rajan.
"Hoje, até seria justo dizer para a economia global: "Nunca você esteve tão bem". Mas ocorre que os problemas estão se amontoando nos bastidores", afirmou o economista.
Entre todos os riscos, o FMI aponta o déficit em conta corrente dos EUA como o principal. "Enquanto esse déficit tem sido financiado facilmente [em particular pela China], os otimistas têm ganho terreno sobre os pessimistas. O problema é que os otimistas têm de estar certos todos os dias, e os pessimistas, uma única vez", disse Rajan.
Para o FMI, o déficit recorde em conta corrente dos EUA, de 6,4% do PIB, mantém o país "vulnerável às percepções dos investidores, que podem colocar pressão [de desvalorização] sobre o dólar e levar a um salto repentino nos juros de longo prazo".
Nesse cenário, os maiores perdedores seriam os países emergentes e, acima de tudo, os mais endividados, como o Brasil.


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