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MARCOS ANTONIO CINTRA
Banquete especulativo
Restringir as transações na BM&F pode conter o processo de compra especulativa do real
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AS AUTORIDADES econômicas
brasileiras apostam que a integração do sistema financeiro doméstico aos mercados globais
promoverá a convergência da taxa
de juros interna aos padrões internacionais. Com isso, espera-se construir uma curva de juros -a curto,
médio e longo prazos-, reduzindo o
custo do capital e possibilitando ao
país ingressar em um ciclo de crescimento sustentado. Há indicações de
que o mercado externo já absorveria
títulos da dívida pública brasileira
de 30 anos, em reais. Fato realmente
auspicioso, produto da elevada liquidez financeira internacional.
Essas mesmas autoridades, no entanto, têm pautado um ritmo muito
lento de redução dos juros domésticos, dificultando a convergência das
taxas, mesmo diante da queda nas
expectativas de inflação. Os investidores, liderados pelos "hedge
funds", montam diferentes operações -arbitragens, contratos a termo de venda de dólar e compra de
real ("Non-Deliverable Forward") e
posições nos mercados de derivativos de câmbio da BM&F (Bolsa de
Mercadorias & Futuros)-, efetuando um agressivo processo especulativo a fim de absorver os altos juros
internos e ampliar seus ganhos com
a valorização da taxa de câmbio.
Se o diferencial de juros não pode
ser reduzido de forma abrupta para
não comprometer a meta de inflação, se controles sobre os fluxos de
capitais externos não podem ser introduzidos para não prejudicar a
formação da curva de juros, outros
caminhos podem ser buscados.
Já ficou evidente que a venda de
"swaps" reversos na BM&F e a compra de dólares no mercado à vista
realizadas pelo BC apenas sancionam as operações dos especuladores, garantindo seus lucros. As duas
modalidades de intervenção cambial são favoráveis à especulação, e
os investidores ganham nas duas
pontas, contra o BC e, no limite, contra o Tesouro. Todo ataque especulativo é uma investida contra os cofres públicos (ou as reservas, no caso
de uma desvalorização da moeda).
Além do assalto ao Tesouro, as
operações forçam a valorização excessiva do real, com repercussões na
estrutura produtiva e no estoque da
dívida pública, pois o BC é forçado a
esterilizar as compras de dólares por
meio de emissões de títulos, dificultando a gestão da política fiscal.
As autoridades econômicas poderiam ao menos conter essas ações
mais especulativas. Diferentes economistas têm feito diversas propostas: proibir os investidores estrangeiros de operar com derivativos na
BM&F; aumentar as margens nas
operações de derivativos, reduzindo
a alavancagem; exigir maior capitalização dos bancos nas operações
com moeda estrangeira e com derivativos que envolvam moeda estrangeira; tributar os ganhos de capital obtidos por meio de especulação e arbitragem com o real.
Essas decisões não comprometem as estratégias privadas de ganho
de capital -investimentos na Bovespa, fusões e aquisições, em imóveis. Tampouco comprometem os
objetivos do BC, seja para ampliar as
reservas para reduzir os prêmios de
riscos dos empréstimos externos tomados pelo setor privado para financiar o investimento produtivo,
seja para formar a curva de juros.
São medidas que visam defender
os interesses da República, da esfera
pública da nação, contendo as investidas ao Tesouro Nacional e, portanto, de uma parte expressiva da renda e da riqueza da imensa maioria da
população brasileira que paga impostos e não participa do banquete
especulativo. Isso exige tão somente
que as autoridades econômicas restaurem o caráter público de seus
cargos, salvaguardando os interesses do Tesouro, protegendo os bens
públicos da sangria especulativa.
MARCOS ANTONIO CINTRA , doutor em economia pelo
IE/Unicamp, é da equipe de editorialistas.
Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna de
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN .
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