São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Para analistas, real não cairá tão cedo

Especialistas vêem dificuldade do país para lidar com moeda local forte e, por exemplo, aproveitar para comprar máquinas

Emilio Garofalo defende juro menor para exportador, e Nathan Blanche critica adoção de medidas para apenas alguns setores

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O dólar abaixo de R$ 2 veio para ficar. O Brasil tem experiência em lidar com a desvalorização de sua moeda, mas não sabe aproveitar as oportunidades que o dólar barato abre para reaparelhar seu parque industrial, segundo os economistas Emilio Garofalo Filho, ex-diretor do Banco Central, especialista em câmbio, e Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências e um dos mais enfáticos defensores da abertura comercial brasileira. Garofalo defende juros menores ao exportador para evitar especulação com as taxas dos contratos de câmbio, que acabam levando mais dólares ao mercado. Já Blanche desanca os defensores de políticas setoriais para proteção dos exportadores e pede cortes nos custos para todos, independentemente dos setores, como estímulo à competitividade. A seguir, os principais trechos das entrevistas feitas separadamente com os dois analistas.  

FOLHA - Em que patamar o dólar deve estabilizar nos próximos dias? EMILIO GAROFALO FILHO - Se ficar sem o "auxílio" do BC, tende a R$ 1,80 nas próximas semanas, patamar em que o mercado pararia para repensar as operações. Com o BC agindo forte, tenderia a R$ 2. NATHAN BLANCHE - O câmbio abaixo de R$ 2 veio para ficar. A situação é muito tranqüila, o mercado vai se equilibrando em R$ 1,95 e R$ 1,96. Deve ceder mais ainda, mas não vejo uma derrocada para R$ 1,90 ou R$ 1,80 no curto prazo.

FOLHA - O BC erra ao tentar uma queda-de-braço com o mercado? Ou exerce seu papel de dar "liquidez" em momentos tensos? GAROFALO - Não parece haver, de parte do BC, tentativa de queda-de-braço. Nos últimos meses, agiu -atrasado- para evitar colapso na taxa de câmbio. Se deixou romper R$ 2 é porque sabe que em câmbio flutuante não pode fixar piso ou teto, como nas bandas. BLANCHE - A maioria do mercado já acreditava que o BC não interferia na tendência de formação da taxa, mas suavizaria o processo. Os que acreditavam em que ele ia manter a R$ 2 viam uma discordância dentro da equipe econômica, que se dissipou com o discurso do presidente Lula [de apoio ao BC e ao câmbio flutuante].

FOLHA - Há algum instrumento monetário capaz de apreciar o real? GAROFALO - Enquanto a queda forte de juros não vem para as empresas e para os exportadores, uma saída seria criar financiamento de comércio exterior em reais, provavelmente com recursos do BNDES. Financiaria a exportação, sem antecipar a venda de dólar, diminuindo o excedente da moeda. BLANCHE - O cenário é de câmbio para baixo e de juros para baixo. A gente não aceita que o BC possa usar a taxa de juros para controlar o câmbio. Quando você aumenta a atividade, pela queda de juros, beneficia tanto a oferta como a demanda.

FOLHA - Acúmulo de reservas traz mais prejuízos do que benefícios? GAROFALO - Não. Somos um povo de memória curta. A falta de reservas foi causadora de uma legislação cambial inadequada, que só agora é corrigida. Levou-nos a três moratórias, induziu-nos a pagar incentivos fiscais e financeiros ao exportador -mais caros que a manutenção de reservas altas. Gerou inflação e a necessidade de juros altos. A resultante disso tudo tem sido o pífio crescimento do PIB. BLANCHE - Acho. Hoje o Brasil tem US$ 130 bilhões e mais US$ 25 bilhões de "swap" cambial [título em que o BC troca o risco cambial por juros] para uma dívida [externa] de US$ 176 bilhões. O Brasil já tem 85% de cobertura [dessa dívida]. Não tem empresa de "rating" que vai se sensibilizar mais. O aumento de reservas onera a dívida. A gente está falando de um Bolsa Família.

FOLHA - Exportadores reclamam do dólar baixo, mas grande parcela tem um ganho financeiro quando adianta contratos de câmbio. Isso também explica a queda do dólar? GAROFALO - Sim. Curiosamente o juro tem sido "meu bem, meu mal" para os exportadores. Para ter financiamentos a juros baixos, ampliam a oferta de dólares e pressionam a taxa. BLANCHE - Para o mercado, era gostoso especular quando tinha a garantia do câmbio fixo. Quem não faz hedge é aventureiro. O exportador que fechou o câmbio e ainda tem prêmio de desvalorização de 4% a 5% ganhou dinheiro porque tem um hedge [proteção] natural.

FOLHA - Exportadores pararam de cobrar intervenções no câmbio e agora pedem benefícios complementares para a redução de custos. Houve uma evolução no lobby? GAROFALO - Difícil dizer se evoluiu ou retrocedeu. É justo e certo pedir redução do custo Brasil nas áreas fiscal, tributária, trabalhista e de infra-estrutura. Mas não faz nenhum sentido pedir taxas múltiplas ou outras opções heterodoxas. BLANCHE - O BC é vítima de uma política comercial equivocada. Ele enxuga gelo para os outros, porque o Brasil é o país mais fechado do mundo. A gente poderia importar US$ 200 bilhões e exportar US$ 250 bilhões. Quando aumenta a tarifa de setores que não têm vantagem, você desloca a inflação para cima, aumenta o contrabando, mas não resolve o problema, que é de custo. Se você quer investimento em tecnologia e eficiência, tem de tomar medidas horizontais, como a redução dos encargos em folha.

FOLHA - Então, o lobby retrocedeu? BLANCHE - Não, tem muita gente honesta e competente que defende política setorial, mas isso faz parte de uma mentalidade cepalina [de substituição de importações]. Se é para fazer câmaras setoriais, então chama a Dorothea [Werneck, ex-ministra de Indústria e Comércio no início do governo FHC]. Ela foi muito competente para sobreviver a uma situação de "default" e de câmbio fixo, mas é uma mentalidade ultrapassada.

FOLHA - O país sabe aproveitar as facilidades do câmbio favorável? GAROFALO - Defeitos à parte, [o câmbio] é sempre uma oportunidade para adquirir máquinas, equipamentos, matérias-primas, tecnologia, patentes e para tornar o parque produtor mais competitivo. Além de melhorar a produção, [as importações] fariam pressão no dólar. BLANCHE - É uma grande oportunidade para adquirir bens de capital, tomar medidas horizontais em alta tecnologia, informática, para turbinar o crescimento e gerar mais eficiência e competitividade.

FOLHA - O país tem experiência em lidar com a depreciação de sua moeda, mas não com a valorização. Há algo a aprender com isso? GAROFALO - Temos muitos especialistas em escassez, mas poucos "experts" em abundância. O que se aprende com isso? A livre flutuação cambial ainda requer o tempo todo ação do BC. Repito: ação constante! O BC ficar ausente, como fez entre 2002 e 2005, pode nos levar a uma situação como essa [de desequilíbrio]. A taxa atual não é fruto de oferta e demanda, como se espera de um mercado flutuante. É influenciada também pelos juros e pela inflação. BLANCHE - A gente está engasgando na fartura porque não está acostumado a comer. O Brasil mostra que tem vantagens comparativas com o resto do mundo. Finalmente o espírito de David Ricardo [economista inglês que criou a teoria das vantagens comparativas entre países] pousou no Brasil.


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