São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2005

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PÓS-CORRALITO

Crédito cresce e bancos devem registrar lucros

Após três anos, argentinos voltam a guardar o dinheiro em contas

MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES

Após três anos marcados pela desconfiança pós-corralito, os argentinos estão de volta aos bancos. Neste ano, pela primeira vez desde a pior crise econômica da história do país, as instituições financeiras vão registrar lucro: os depósitos bancários somam hoje 117,6 bilhões de pesos, valor que chegou a ser de 70 bilhões de pesos em 2002.
Já a demanda por crédito pessoal no mês passado foi a maior para qualquer mês -com exceção de 2002, ano para o qual não há dados disponíveis- desde abril de 2001. É uma retomada que vem grudada na recuperação da economia.
De qualquer forma, é uma reação considerada surpreendente na Argentina por causa da recente história do país vizinho: em 2001, o então ministro da Economia, Domingo Cavallo congelou os depósitos bancários (o chamado corralito), o que levou milhares de pessoas às ruas, forçou a renúncia do presidente Fernando de la Rúa e agravou a crise.
O fato de os argentinos voltarem a fazer depósitos e tomar empréstimos depois de um período tão complicado é algo a ser comemorado, mas a recuperação ainda não chegou às linhas de crédito mais robustas, de longo prazo.
O estoque de empréstimos hipotecários, por exemplo, somou 8,8 bilhões de pesos em maio deste ano, a metade do valor registrado em maio de 2001, de 16,9 bilhões de pesos, segundo dados da consultoria abeceb.com.
O que deve garantir o lucro aos bancos é em grande parte a demanda por crédito de curto prazo, como empréstimo pessoal e cartão de crédito.
No primeiro caso, o estoque somou 5,3 milhões de pesos no mês passado -ao longo de 2003 e 2004, se manteve entre 3 milhões de pesos e 4 milhões de pesos mensais. Os empréstimos no cartão somaram 3,5 milhões de pesos, para um patamar de cerca de 2 milhões de pesos ao mês nos anos pós-crise.
Nos primeiros meses de 2005, a quantidade de cartões em circulação subiu 30% em relação a 2004, ano que já vinha apresentando reação da atividade econômica. O dinheiro gasto, na mesma comparação, subiu 28%.
A quantidade de argentinos com conta corrente também começa a se recuperar. Em dezembro do ano passado, último dado disponível, eram 1,972 milhão contas, segundo o banco central da Argentina, ante 1,795 milhão em dezembro de 2003.
Mesmo assim, muitos argentinos ainda mantêm suas economias fora do sistema financeiro por falta de confiança. A última estimativa, realizada por um banco de investimentos, dizia que o montante total de dinheiro fora dos bancos no país poderia chegar a US$ 100 bilhões.
Além disso, o total do crédito concedido ao setor privado ainda não voltou aos níveis pré-crise. De acordo com estimativa da abeceb.com, vai representar 15% do PIB argentino neste ano. Melhor do que os 12,3% registrados em 2003 e 2004, mas ainda muito abaixo dos 21,7% de 2001.
"A situação da Argentina hoje é a seguinte: está saindo do poço, olha para cima e vê tudo o que falta para sair, e olha para baixo e vê de onde veio. Temos um sistema financeiro que volta a ser confiável, mas nos falta muitíssimo ainda", analisa o economista Aldo Abram, da consultoria Exante.

Fuga
O auge da crise dos bancos no país foi em 2002, quando tiveram um prejuízo que chegou aos 19,1 bilhões de pesos. Fecharam 2003 no vermelho em 5,4 bilhões de pesos e em 2004, ainda negativo, em 902 milhões de pesos.
Desde 2004, além da retomada do crédito, os bancos vem sendo ajudados pela redução dos custos operacionais e pela queda da inadimplência. "As instituições financeiras ganharão mais com empréstimos este ano, terão menos perdas com inadimplência e também há mais contas correntes cartões de créditos do que no período da crise", afirma Mariano Lamonthe, economista da consultoria abeceb.com.
Ele destaca ainda que o "spread" bancário na Argentina, ou seja, a diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado e o que cobram do consumidor final, está mais alto do que em anos anteriores.
Hoje, os bancos pagam entre 3% e 4% ao ano de juros pelo capital, e emprestam a uma taxa de 30% ao ano em média, no caso de crédito pessoal. Os juros cobrados do consumidor baixaram bastante na comparação com 2002, quando chegaram a ser, em novembro, de 50% ao ano.
De qualquer forma, taxas muito mais baixas que as brasileiras: segundo dados da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), os juros cobrados em operações de crédito pessoal são em média de 142% ao ano.

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