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VINICIUS TORRES FREIRE
A favela do Alemão e o Congresso
Mascarados de fuzil que aterrorizam pobres e grupo bandalho do Parlamento geram desalentos parecidos
QUASE TODOS os dias, é possível ver em fotografias ou jornais de TV bandidos mascarados, munidos de fuzis ou metralhadoras, nas entradas de uma favela que dominam, a do Alemão, no
Rio, ora a nossa Faixa de Gaza mais
notória -há outras, mais discretas,
em São Paulo, Recife ou Vitória. Os
bandidos dançam, fazem micagens e
dão tiros para o ar, escarnecem da
polícia e da civilização atrás das barreiras que diariamente reconstroem
para proteger seus feudos.
Quanto não há tiroteio, os moradores do Alemão entram e saem naturalmente desse que é seu mundo
habitual, circulam em torno dos pistoleiros. São garotos de mochilas, escolares, mulheres que levam crianças pela mão, um entregador de carne de bicicleta. Passa um caminhão
de entregas, depois de fazer a parada
obrigatória na barricada bandida. Lá
dentro, o tráfico controla serviços de
água, luz, gás, "gatos" de TV a cabo e
as festas do pedaço, impõe horários
para comércio, escolas, carteiros e
outros enviados esporádicos e "dominados" do Estado.
A impotência da lei é escarrada
nas fuças do público. A gente convive com uma espécie de guerra civil e
com o terrorismo contra pobres, na
maioria, embora os fuzis matem
gente a mais de dois quilômetros dali ou de outra zona conflagrada. A
gente convive com isso. É rotina. É
um desalento que dá vontade de desistir. Mas a gente tem de continuar.
Periodicamente, a maioria corporativa do Congresso absolve levas de
salafrários flagrados como navalheiros, sanguessugas, mensaleiros. Alguns são cassados, assim como de
vez em quando alguns favelões são
provisoriamente ocupados, traficantes são presos.
Assim como alguns bandidos fogem da cadeia ou de lá controlam
suas quadrilhas, parlamentares voltam ao Congresso, que se torna um
programa de proteção a processados
e condenados. Ou continuam por lá
a trafegar sua influência, vide o caso
de Severino Cavalcanti, infame que
a Câmara teve o desplante de eleger
seu presidente, vide o caso de Antonio Palocci, que conspirou contra o
caseiro, vide João Paulo Cunha,
Paulo Maluf, Jader Barbalho, ACM e
passemos, pois a lista vai bem além
da centena.
Os senadores agora descaradamente querem enterrar uma investigação contra Renan Calheiros, no
mínimo suspeito de fraude fiscal e
enriquecimento ilícito. Apesar das
sortidas solitárias dos jornalistas
contra o abafamento do escândalo, a
cara-de-pau da maioria da corporação resiste. Convivemos com essa
gente despudorada. É rotina. É um
desalento que dá vontade de desistir. Mas a gente tem de continuar.
Para continuar, seria preciso dar
cabo das imunidades e do foro privilegiado dos parlamentares. Um dia
método de evitar perseguições políticas locais, a norma desvirtuou-se
apenas em privilégio bandido. O
problema é que a corporação decide
sobre seus privilégios. A Justiça é
lenta, anacrônica e conivente. O
eleitorado ainda é ignaro ou não tem
recursos para avaliar como é esbulhado e, assim, votar contra os bandalhos. A polícia ao menos começou
a pilhá-los, embora muito inquérito
seja tecnicamente frágil.
Vai demorar para tomar o feudo
da corporação bandalha. Mas não há
alternativa. É preciso continuar.
vinit@uol.com.br
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