São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

A favela do Alemão e o Congresso

Mascarados de fuzil que aterrorizam pobres e grupo bandalho do Parlamento geram desalentos parecidos

QUASE TODOS os dias, é possível ver em fotografias ou jornais de TV bandidos mascarados, munidos de fuzis ou metralhadoras, nas entradas de uma favela que dominam, a do Alemão, no Rio, ora a nossa Faixa de Gaza mais notória -há outras, mais discretas, em São Paulo, Recife ou Vitória. Os bandidos dançam, fazem micagens e dão tiros para o ar, escarnecem da polícia e da civilização atrás das barreiras que diariamente reconstroem para proteger seus feudos.
Quanto não há tiroteio, os moradores do Alemão entram e saem naturalmente desse que é seu mundo habitual, circulam em torno dos pistoleiros. São garotos de mochilas, escolares, mulheres que levam crianças pela mão, um entregador de carne de bicicleta. Passa um caminhão de entregas, depois de fazer a parada obrigatória na barricada bandida. Lá dentro, o tráfico controla serviços de água, luz, gás, "gatos" de TV a cabo e as festas do pedaço, impõe horários para comércio, escolas, carteiros e outros enviados esporádicos e "dominados" do Estado.
A impotência da lei é escarrada nas fuças do público. A gente convive com uma espécie de guerra civil e com o terrorismo contra pobres, na maioria, embora os fuzis matem gente a mais de dois quilômetros dali ou de outra zona conflagrada. A gente convive com isso. É rotina. É um desalento que dá vontade de desistir. Mas a gente tem de continuar.
Periodicamente, a maioria corporativa do Congresso absolve levas de salafrários flagrados como navalheiros, sanguessugas, mensaleiros. Alguns são cassados, assim como de vez em quando alguns favelões são provisoriamente ocupados, traficantes são presos.
Assim como alguns bandidos fogem da cadeia ou de lá controlam suas quadrilhas, parlamentares voltam ao Congresso, que se torna um programa de proteção a processados e condenados. Ou continuam por lá a trafegar sua influência, vide o caso de Severino Cavalcanti, infame que a Câmara teve o desplante de eleger seu presidente, vide o caso de Antonio Palocci, que conspirou contra o caseiro, vide João Paulo Cunha, Paulo Maluf, Jader Barbalho, ACM e passemos, pois a lista vai bem além da centena.
Os senadores agora descaradamente querem enterrar uma investigação contra Renan Calheiros, no mínimo suspeito de fraude fiscal e enriquecimento ilícito. Apesar das sortidas solitárias dos jornalistas contra o abafamento do escândalo, a cara-de-pau da maioria da corporação resiste. Convivemos com essa gente despudorada. É rotina. É um desalento que dá vontade de desistir. Mas a gente tem de continuar.
Para continuar, seria preciso dar cabo das imunidades e do foro privilegiado dos parlamentares. Um dia método de evitar perseguições políticas locais, a norma desvirtuou-se apenas em privilégio bandido. O problema é que a corporação decide sobre seus privilégios. A Justiça é lenta, anacrônica e conivente. O eleitorado ainda é ignaro ou não tem recursos para avaliar como é esbulhado e, assim, votar contra os bandalhos. A polícia ao menos começou a pilhá-los, embora muito inquérito seja tecnicamente frágil.
Vai demorar para tomar o feudo da corporação bandalha. Mas não há alternativa. É preciso continuar.


vinit@uol.com.br

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