São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Um pouco mais do mesmo


Reunião de emergência sobre inflação não dá em medidas de urgência; superávit extra não implica esforço maior

A REUNIÃO DE emergência do governo para tratar de inflação não revelou nenhum sentido de urgência nas disposições a respeito da política econômica. Talvez se devesse comemorar que de lá não tenha saído algum disparate como tabelamento de preços, idéia que começa a se espalhar pela América Latina. Ao contrário, a equipe econômica formal e informal de Lula declarou seu repúdio a mágicas e milagres. Vieram com a história de estimular o aumento da produção de alimentos, o que talvez possa ser até boa coisa, a depender das geringonças creditícias que sejam inventadas. Mas não será dessa cartola que se vai tirar uma receita mais duradoura para lidar com os preços.
Aparentemente, os participantes da reunião foram orientados a se calar a respeito do que se discutiu com Lula. Pode ser, então, que se esteja cozinhando algo de novo -pode ser que não. De menos irrelevante, parece que Lula liberou um superávit primário talvez um "pouquinho acima" de 4,3% do PIB, superávit que foi de 3,97% do PIB em 2007, a princípio deveria ficar em 3,8% neste ano e que havia sido aumentado para 4,3% quando se discutiu o célebre fundo soberano. Melhor que nada, mas o superávit extra não deve implicar esforço maior de poupança para o governo federal.
Considerando um aumento da carga tributária federal de 0,6 ponto percentual do PIB e um crescimento da economia de 4,8%, um superávit primário de 4,4% do PIB praticamente acomoda o aumento extra da arrecadação. Isto é, o governo ainda pode aumentar seus gastos absolutos em relação a 2007 e fazer um superávit maior. Nada dramático.
Tal estimativa está sujeita, decerto, a chuvas e trovoadas, pois existem dados da Receita Federal apenas para os cinco primeiros meses do ano e a previsão do crescimento do PIB é a da média do mercado, nesta semana. Viu-se ontem que houve ligeira desaceleração na arrecadação federal (no acumulado em 12 meses) de pico de fevereiro para maio -de crescimento de 12,08% para 11,2%, em termos reais, o que ainda é uma enormidade. Talvez aumente a fatia da receita que a União tem de dividir com Estados e municípios, mas isso ainda é incerto e deve dar em coisa pequena. Porém, exceto em caso de freada dramática da economia, um superávit primário de 4,3% ou 4,5%, por aí, não deve exigir que o governo sue a camisa.
Para piorar, o déficit real, o "nominal", que inclui a conta dos juros da dívida, pode aumentar. Nos últimos 12 meses, com superávit primário de 4,23% do PIB, o setor público ficou no vermelho, com déficit nominal, em 1,9%. Até que o governo federal fez um esforcinho maior, dissipado por Estados e municípios. Como a dívida pública tende a ficar pressionada pela conta dos juros em alta, caem as chances de redução firme do déficit neste último ano do melhor triênio econômico (2006/8) em quase três décadas -ou seja, quando havia ótima oportunidade para ajustar as contas públicas. O ano de 2009 é mistério cada vez mais nublado, para o Brasil e o mundo.
Enfim, afora a hipótese de medidas secretas, a emergência do governo não se traduziu em sentido de urgência. O gasto público fica onde está e não vai lá dar grande ajuda à contenção de consumo e preços.

vinit@uol.com.br


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