São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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Mantega anuncia "feito inédito", mas dados desmentem

Ministro divulga que reservas em dólar do país superam a dívida federal externa, o que já havia ocorrido em 1998

Segundo dados da Fazenda, há US$ 64,01 bi nos cofres, contra compromissos de US$ 63,28 bi com os credores externos

Alan Marques - 6.jul.06/Folha Imagem
O ministro Guido Mantega, que anunciou dados sobre reservas


SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo montou ontem uma operação para anunciar que as reservas em dólar do Banco Central superaram a dívida externa da União, mas o próprio material de apoio distribuído na divulgação derrubou o ineditismo que se pretendia atribuir à notícia.
De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, as reservas internacionais chegaram a US$ 64,01 bilhões na segunda-feira, enquanto o endividamento externo está em US$ 63,28 bilhões.
"O Brasil saiu do cheque especial e agora já é credor", disse. "Talvez seja a primeira vez na história do país que tenhamos essa situação. Isso mostra o avanço que tivemos nas contas externas. Isso nos dá tranqüilidade para enfrentar eventuais problemas e turbulências na esfera internacional."
O documento divulgado posteriormente pela Fazenda foi ainda mais incisivo: "O país assumiu uma inédita posição credora em dólares".
Os dados fornecidos pelo Tesouro Nacional mostraram, porém, que a situação era até mais favorável que a atual em 1998, no governo FHC, quando as reservas superaram a dívida externa federal durante a maior parte do ano. Em abril, no melhor momento, as primeiras atingiam US$ 74,66 bilhões, e a segunda, US$ 67,36 bilhões.
Na época, a condição de credor internacional não livrou o governo de um ataque especulativo que derrubou a atividade econômica e culminou, no ano seguinte, na maxidesvalorização do real.
A divulgação de mais essa boa notícia na área econômica foi orquestrada diretamente pelo Palácio do Planalto. Os dados sobre a dívida externa foram entregues na terça ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o Planalto orientou Mantega a divulgar o número.
O ministro cumpriu a determinação numa entrevista improvisada -embora os jornalistas tivessem sido avisados antes- na portaria da Fazenda, minutos antes de sair para uma reunião com o presidente.
Evitando comparações diretas com o governo FHC, para não enfrentar problemas com a legislação eleitoral, Mantega apontou que, "em outras épocas", o Brasil conseguiu acumular reservas internacionais, mas avaliou que "não eram reservas sólidas como essas que nós temos agora".
Segundo o ministro, Lula ficou satisfeito com a notícia sobre a redução no endividamento porque isso reduziu a vulnerabilidade externa do país, uma das "prioridades" do governo. "Sem reduzir essa vulnerabilidade, você não pode ter crescimento sustentado. Até pode ter crescimento momentâneo, enquanto houver condições favoráveis, mas, na primeira turbulência, se você está fragilizado, se depende de capitais externos, você acaba retraindo, interrompendo o crescimento que estivesse em curso."
A estratégia, porém, tem efeitos colaterais. Para adquirir os dólares que compõem as reservas, o governo vende títulos da dívida pública em reais, que pagam os juros mais altos do planeta. Na prática, troca-se dívida externa por dívida interna.
Mantega defendeu as compras de dólar citando o exemplo de outros países. "Se nós olharmos para as reservas que possuem os países emergentes parecidos com o Brasil, no caso a Rússia, a Coréia, o colchão ainda pode encher mais."
Mais tarde, questionado sobre o falso ineditismo do resultado divulgado, o Ministério da Fazenda argumentou que a acumulação de reservas era mais simples em 1998, quando a cotação do câmbio era administrada pelo Banco Central.


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