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ENTREVISTA DA 2ª - PAULO CUNHA
Bafafá político atrapalha o debate de temas relevantes
Para o presidente do conselho do grupo Ultra, sistema político não atende
à necessidade do país e não recruta as melhores pessoas para seus quadros
NOS ÚLTIMOS anos, o empresário
Paulo Cunha, presidente do conselho de administração do grupo Ultra, tem adotado um estilo bastante
reservado. Avesso a entrevistas, ele prefere se
manter como um expectador privilegiado da cena nacional.
Nesta entrevista concedida na semana passada
na sede do grupo Ultra, em São Paulo, Cunha manifesta otimismo com as perspectivas da economia, apesar da crise. Na sua opinião, o Brasil perde muito tempo com o que ele chama de bafafá
político, quando há temas mais relevantes para
serem discutidos no país.
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
"O Brasil precisa discutir o
pré-sal, discutir questões mais
relevantes", diz Cunha. "Esse
bafafá político tem impedido o
país de discutir essas questões."
Para ele, o sistema político
não atende às necessidades do
país. Um dos grandes problemas é a forma como se escolhe
as pessoas no setor público.
"Se uma empresa fizesse o
recrutamento dos seus quadros
da mesma maneira que os partidos, as empresas estariam fora do jogo", afirma. "O governo
precisa ser estatizado." A seguir, trechos da entrevista.
FOLHA - A crise acabou?
PAULO CUNHA - Em primeiro lugar, temos de olhar a crise na
sua origem. [...] A crise surgiu
do grande desbalanceamento
do comércio nas finanças internacionais. De um lado, o gigantesco déficit americano; de outro, o gigantesco superávit de
Ásia e Alemanha. [...] Também
havia o elevado endividamento
do consumidor americano. A
poupança é praticamente zero
e o consumidor americano se
endividou muito. A ponto de o
nível de endividamento médio
do cidadão americano atingir
quase 140% da sua renda anual.
É óbvio que tinha de estourar.
Os governos agiram e a crise
financeira, a crise bancária, foi
atenuada. Não diria que terminou, mas está totalmente escorada nos créditos e nas garantias dos governos europeu e
americano. Julgo que, uma vez
terminado o pânico, já começa
a recapitalização dos bancos e o
sistema se normaliza. Mas o nível de atividade não se normaliza tão cedo. Há ainda um longo
processo de desalavancagem
do consumidor americano.
FOLHA - Quanto tempo o sr. acha
que pode levar até a recuperação?
CUNHA - O consumidor americano está ficando novamente
conservador do ponto de vista
financeiro. Está com medo do
desemprego, do futuro. Paga
juros elevados e tem dificuldades de se refinanciar. Muitos
perderam suas casas, poupanças, aposentadorias e, portanto,
estão apertando o cinto e consumindo menos. Quanto tempo? Não sei e suponho que ninguém saiba ao certo.
FOLHA - E como fica o Brasil?
CUNHA - O Brasil, evidentemente, é parte do mundo. Nos
últimos tempos, o crescimento
brasileiro vinha sendo turbinado pelo comércio internacional, pelas exportações, notadamente para a China e o Ocidente. Isso, evidentemente, sofreu
uma parada devido à crise. O
Brasil também está sendo afetado por ter havido um corte
muito forte nos investimentos
das empresas em resposta à crise. Mas, ao mesmo tempo, o
Brasil vem desenvolvendo o
seu mercado interno, de consumo. As classes menos favorecidas, as classes mais pobres, vêm
sendo incorporadas gradativamente ao mercado. Está começando a acontecer uma coisa
que não havia no Brasil, que é o
financiamento de consumo.
FOLHA - Como o sr. vê a reação do
governo?
CUNHA - Em primeiro lugar, foi
de susto, tentando negar a crise. Mas, passado o susto, acho
que o governo agiu bem e rapidamente. Não havia mesmo necessidade, no Brasil, de segurar
o sistema financeiro. O sistema
financeiro é sólido. Alguns setores começaram a sofrer um
impacto forte, como os de automóveis e de eletrodomésticos, e
o governo agiu rápido para restabelecer o consumo. São vendas que dependiam de financiamento. O governo Lula mostrou presteza e atenção.
FOLHA - O Banco Central não demorou a começar a baixar os juros?
CUNHA - O Banco Central tem
sido disfuncional em determinados aspectos. Tem sido lento
e suas decisões são sempre na
direção do conservadorismo,
de manter os juros estratosféricos, mas, depois, acabou agindo
na direção certa. Agora, o juro
está começando a chegar a números mais civilizados.
FOLHA - Mas o presidente do BC,
Henrique Meirelles, não é considerado a âncora da economia?
CUNHA - Por alguns, mas a âncora da economia, no fundo, é o
brasileiro, são as empresas brasileiras, o sistema de produção,
a agricultura, o agricultor, o trabalhador, os funcionários das
empresas. Tende-se a achar
que o governo e algumas pessoas são responsáveis pelo que
há de bom. Muitas vezes são
responsáveis pelo mal. O bem
são os brasileiros que fazem.
FOLHA - Onde o sr. nota essa tendência?
CUNHA - O Brasil vive hoje uma
fase muito interessante, bastante heterogênea. O brasileiro
está querendo crescer, melhorar, subir. Está buscando educação. Pela primeira vez se começa a falar de educação de
maneira mais ampla e mais
profunda no Brasil. Vejo grande parte dos funcionários das
empresas que trabalham durante oito horas por dia saírem
[do trabalho] e ainda irem para
a escola, para algum curso de
aperfeiçoamento, para um curso superior buscando o conhecimento para melhorar sua formação. É um esforço muito
grande. Outra coisa que se vê é
um aperfeiçoamento muito
grande na qualidade de gestão
das empresas. Essa gestão mais
profissionalizada está se generalizando no Brasil. É um fato
notável. Tanto que as filiais das
multinacionais no Brasil estão
em situação melhor do que as
matrizes. Os brasileiros estão
se transformando em grandes
gestores. Cada vez mais se vê
brasileiros na gestão de empresas multinacionais.
FOLHA - O governo Lula foi uma
surpresa para o sr.?
CUNHA - O governo Lula sofreu
uma mudança de paradigma no
momento da Carta aos Brasileiros (antes da eleição de 2002,
em que assumia compromissos
caso fosse eleito). [...] Ele teve,
de um lado, o bom senso de
manter as coisas que vinham
dando certo, de reconhecer a
importância da estabilização
da moeda, o valor da higidez
das contas públicas. Essas coisas centrais o governo Lula
manteve, com uma intensidade
que, admito, foi surpresa para
muita gente. Ao mesmo tempo,
o governo levou atitudes concretas de apoio ao povo mais
desassistido. Apesar de os instrumentos básicos terem sido
estabelecidos anteriormente,
como o Bolsa Educação, a incorporação desses programas
no Bolsa Família deu a ele uma
nova dimensão.
Agora, nem tudo é tão maravilhoso assim. Do lado institucional há muito a fazer. Nós temos um sistema político que
não atende às necessidades do
país. O sistema político está recrutando mal. Ele não recruta
as melhores pessoas. Se uma
empresa fizesse recrutamento
dos seus quadros da mesma
maneira que os partidos fazem,
as empresas estariam fora do
ar, fora do jogo.
FOLHA - O sr. acha que é preciso fazer uma reforma política?
CUNHA - O Brasil precisa de reforma política, mas o mais importante é uma mudança mais
profunda na maneira de fazer
as coisas. O governo precisa ser
estatizado. Algumas estatais
estão em grande parte privatizadas, não apenas por políticos
regionais mas por determinados partidos. A crise do Senado
é uma crise que não é de agora,
não é de ontem, não é da semana passada, é uma crise que já
vem se desenhando há muito
tempo e não é exclusiva do Senado. O Senado está sob o holofote agora, mas, certamente, o
mesmo holofote colocado em
outros órgãos poderá trazer
surpresas desagradáveis.
FOLHA - O sr. acha que a CPI da Petrobras pode chegar a alguma coisa?
CUNHA - Não sei, acho que essa
CPI não vai chegar a lugar nenhum. Não acho que o Brasil se
resolva com CPIs. O que o país
precisa é discutir o pré-sal, discutir essas questões mais relevantes. Esse bafafá político tem
impedido o Brasil de discutir
essas questões.
FOLHA - Como o sr. viu a proposta
do governo para o pré-sal?
CUNHA - Não vi a proposta do
governo, ainda. O que se tem
são vazamentos do que seria.
Há duas questões centrais: como é que vão ser repartidos os
resultados e como o governo
vai se apropriar dos resultados.
Essa é uma questão de grande
profundidade. Envolve interesses de Estados, municípios, de
um sistema político que já está
estabelecido em torno do sistema tradicional de concessões.
O governo parece optar por um
sistema de partilha.
FOLHA - O sr. aprova a mudança?
CUNHA - Tanto um como o outro funcionam, mas desde que
seja bem administrado, assim
como a estatal a ser criada para
a operação. Se for bem administrada, transparente, enxuta,
a estatal pode funcionar bem.
Mas existe outra questão, que é
de grande relevância, que é o
que será feito com a exploração
das reservas, que ritmo vamos
dar à exploração. Não podemos
sair numa correria louca para
produzir o máximo de petróleo
e distribuir esses resultados,
senão haverá consequências
muito ruins do ponto de vista
inflacionário, a partir de uma
apreciação forte do real, e os
efeitos serão devastadores para
o resto da produção brasileira.
O melhor seria explorar de forma moderada, preocupando-se
em poupar para o futuro.
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