São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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ARTIGO
Crescimento, modernização e desemprego


FERNANDO ALCOFORADO

Enquanto em 1972 o Clube de Roma proclamava a necessidade de estabelecer limites ao crescimento econômico mundial, uma obra do Centre d'Études Prospectives et d'Informations Internationales consagrada na economia mundial proclamou, em 1992, o contrário, isto é, o imperativo do crescimento. Quando propôs os limites ao crescimento, o Clube de Roma partia da premissa de que os processos de expansão populacional e econômica do mundo, que ocorriam em bases exponenciais em nível global, levariam ao esgotamento dos recursos naturais do planeta, ao comprometimento do meio ambiente e, consequentemente, ao colapso na sua evolução. Por sua vez, ao propor a necessidade do crescimento econômico mundial, o Centre d'Études Prospectives et d'Informations Internationales identificou na expansão econômica a saída para a crise de desemprego que assume características globais.
Muitos estudiosos colocam hoje dúvidas quanto à possibilidade de o crescimento econômico atual gerar os empregos necessários à população economicamente ativa em todo o mundo. Os fatos da realidade demonstram que, entre 1972 e 1992, o crescimento econômico declinou no Ocidente. Michel Beaud afirma no seu artigo "Piège sans fin", publicado no "Le Monde des Débats" de outubro de 1994, que o declínio no crescimento contribuiu, em proporções variáveis segundo o país, para o aumento do desemprego, a erosão da proteção social e o alargamento da marginalização social. Por outro lado, o crescimento econômico produziu em muitos países do sul do globo terrestre um verdadeiro caos, levando-os ao agravamento da privação e da miséria. Além disso, ocorreu o colapso da expansão econômica na antiga União Soviética, no Leste Europeu e, mais recentemente, no Sudeste Asiático.
No artigo "Grande Illusion", de Daniel Cohen, publicado no "Le Monde des Débats" de outubro de 1994, está explicitado que as economias capitalistas estavam convencidas nos anos 50 e 60 deste século de que o crescimento era inesgotável e, ingenuamente, estavam convictas de que o único verdadeiro limite ao crescimento moderno era a capacidade de consumo das riquezas. Porém o ritmo de crescimento econômico mundial começou a declinar, atingindo 4,9% ao ano na década de 50, 5,2%, na de 60, 3,4%, na de 70, 2,9%, na de 80, e, finalmente, 1,4%, de 1990 a 1994 (Brown, L., "Nature's Limits", "State of the World", Worldwatch Institute, Nova York, 1995, p. 13). Nos primeiros anos da década de 90, o crescimento econômico mundial passou a apresentar taxas negativas em 1993, pela primeira vez após 1975 e pela décima vez após 1994.
A modernização da atividade produtiva com a introdução das novas tecnologias baseada na microeletrônica, na informática, nos novos materiais e na biotecnologia e dos novos modelos de gestão, especialmente da reengenharia, pode proporcionar uma nova era de expansão econômica com o aumento da produtividade. No entanto ela se fará com a redução dos postos de trabalho em todo o mundo, produzindo, em consequência, um verdadeiro "apartheid" social em escala planetária em face do processo em curso de globalização econômica. A dramática perspectiva que se abre para a humanidade é ampliar cada vez mais o número de excluídos no mundo do trabalho, que alcança hoje 820 milhões de trabalhadores em todo o planeta. A expectativa que se abre para o futuro é, portanto, a do crescimento sem emprego. Isso significa dizer que apenas uma parcela cada vez menor da população mundial terá acesso ao mercado consumidor de bens e serviços. A grande maioria estará excluída do acesso aos frutos do progresso social.
O crescimento sem emprego tende a se materializar nos anos futuros diante da certeza de que a cada ano novos lotes de invenções farão com que as empresas as utilizem para elevar seus níveis de competitividade e produtividade em detrimento do trabalho. A automação que já se registra na agricultura, na indústria, no comércio e nos serviços no mundo todo aponta para essa direção. Considerando que 87% do trabalho humano hoje desenvolvido envolve atividades rotineiras de natureza física e intelectual, passíveis de substituições pela máquina, pode-se concluir que apenas o trabalhador altamente qualificado, que seja detentor de know-how, terá vez na era da globalização econômica que se descortina para o futuro.
O crescimento econômico sem emprego tende a gerar recessão econômica com o subconsumo das massas e a superprodução nas atividades produtivas. A estratégia implementada na atualidade em vários países para fazer frente à retração do consumo interno e promover o crescimento econômico tem sido exportar. No entanto essa estratégia tenderá ao fracasso na medida em que ela se tornar regra geral e o mercado mundial não tiver condições de absorver os excedentes produzidos por todos os países exportadores. A recessão econômica localizada, inicialmente, em alguns países pode assumir no futuro uma dimensão global, tendendo para uma depressão crônica e à consequente bancarrota do sistema capitalista mundial. Essa situação deve propiciar, certamente, o advento de conflitos sociais de grande magnitude resultantes da exclusão social e da precarização das relações de trabalho, dando início a uma nova onda de revoluções sociais.


Fernando Alcoforado, 58, engenheiro, é diretor da Prospector - Consultoria em Planejamento e Investimento e autor do livro "Globalização" (Editora Nobel, 1997). Foi coordenador de Energia do Estado da Bahia (1987-91) e secretário do Planejamento de Salvador (1986-87).



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