São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Planalto orientou Costa a intervir na Anatel

Decisão ocorreu diante de recusa da direção da agência de alterar o edital de licitação para internet em banda larga sem fio

Desfecho do caso é acompanhado de perto por outros ministérios, que também têm atritos com agências reguladoras


ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, recebeu orientação do Palácio do Planalto para intervir na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) diante da recusa do conselho diretor da agência, na quarta-feira passada, de alterar o edital de licitação do direito de uso das freqüências para acesso à internet em banda larga. A Anatel também recusou-se a adiar a data do leilão, marcada para o dia 4 de setembro, que havia sido pedida por Hélio Costa.
A portaria ministerial que torna nulo o edital de licitação está pronta e, segundo a Folha apurou, foi redigida com assessoria jurídica da Casa Civil da Presidência da República. A intervenção pode ocorrer até quinta-feira. O desfecho desse caso está sendo acompanhado de perto por outros ministérios, que também têm atritos com as agências reguladoras.
Se concretizada, será a primeira intervenção do Executivo na decisão de um órgão regulador. A Anatel foi criada no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, há dez anos. Seu inspirador foi o então ministro Sérgio Motta, que defendia que ela deveria assumir grande parte das funções do Ministério das Comunicações, o qual seria extinto, no modelo concebido pelos tucanos.
A Folha apurou ainda que a Casa Civil recomendou o nome do secretário-executivo do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, coronel Oswaldo Oliva Neto, irmão do senador Aloizio Mercadante -candidato do PT ao governo de São Paulo-, para ocupar o cargo de conselheiro da Anatel que está vago desde o ano passado.
O poder da Anatel começou a ser questionado ainda na gestão tucana, pelo ex-ministro Pimenta da Veiga. O último ato de fortalecimento da Anatel e de esvaziamento do Ministério das Comunicações foi a extinção das delegacias regionais do ministério, determinada, no final de 2002, pelo último ministro das Comunicações do governo FHC, Juarez Quadros, que substituiu exatamente Pimenta da Veiga.
A Anatel, diante da ameaça concreta de intervenção, deu sinais de que aceita fazer mudanças no edital, segundo afirmou, em Belo Horizonte, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, o qual não quis se manifestar sobre a informação obtida pela Folha de que a inspiração para a intervenção na decisão da agência partiu do Palácio do Planalto.
A portaria de intervenção tem apenas dois artigos. O primeiro torna nulo o edital de licitação e diz que a decisão se baseia no parecer AGU nš 51, de 13 de janeiro de 2006, e o segundo diz que a portaria entra em vigor na data de sua publicação. A data e o número da portaria, porém, continuavam em branco até sexta-feira à noite, à espera do desfecho das negociações iniciadas entre a Anatel e o Ministério das Comunicações.

Respaldo
O respaldo jurídico para a intervenção na decisão da Anatel, fornecido pela consultoria jurídica da Casa Civil, foi o parecer que a Advocacia Geral da União preparou em janeiro último, a propósito de uma divergência entre o Ministério dos Transportes e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) a respeito de tarifas.
Segundo o ministro Hélio Costa, o parecer foi aprovado pelo advogado geral da União e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que lhe confere poder normativo. O parecer não chegou a ser usado contra a ANTT, que chegou a um consenso com o Ministério dos Transportes.
Em resumo, o parecer afirma que as agências reguladoras estão sujeitas ao controle interno do Poder Executivo e à revisão ministerial "de ofício ou por provocação de interessados" quando tomam decisões que ultrapassam os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento ou, ainda, quando violam políticas públicas definidas para o setor regulado pela administração direta.
De acordo com o ministro Hélio Costa, o decreto 4.733, de 10 de junho de 2003, diz que, entre as políticas relativas aos serviços de telecomunicações, está garantir o acesso de todos os cidadãos à rede mundial de computadores (internet) e a organização do serviço de telecomunicações visando à inclusão social. Diz, ainda, que o decreto 5.581, de 2005, determina que cabe ao Ministério das Comunicações formular e propor políticas, diretrizes, objetivos e metas no âmbito do programa de inclusão digital.

Teles
De acordo com o ministro, a Anatel recusou-se a alterar o edital e a adiar o leilão com o argumento de que havia submetido o texto da licitação a audiência pública e que o Ministério das Comunicações não se manifestou na ocasião. "A relação não é essa. O governo tem uma política de inclusão digital, e a Anatel tem que acompanhar a política do governo", disse o ministro.
Hélio Costa afirma que sua divergência com a Anatel é pelo fato de a agência se preocupar apenas com o uso racional do espectro de radiofreqüência, sem atentar para o lado social. Ele nega que sua intervenção seja para favorecer as concessionárias do serviço de telefonia fixa local, que estão impedidas pelo edital original de comprar licenças para acesso à internet sem fio dentro de suas áreas de concessão.
As teles, por meio da Abrafix (Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado), dizem que a restrição não tem base legal e enviou à Anatel pedido de impugnação do edital.
O ministro declara que o propósito da intervenção é garantir que o acesso à internet sem fio seja oferecido em todo o país, e não apenas nas grandes cidades e para os clientes de alto poder aquisitivo.
Segundo ele, com as regras estabelecidas no edital, vai se repetir a situação da telefonia celular, em que os pequenos municípios ficaram fora da área de cobertura. "Queremos que o vencedor leve o filé, mas seja obrigado a roer também o osso", afirmou.


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