São Paulo, domingo, 20 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALBERT FISHLOW

Agora vem a parte difícil


Um setor financeiro mundial mais transparente e menos autônomo terminará por emergir com o fim da crise


O MUNDO acaba de passar pelo primeiro aniversário da quebra do Lehman Brothers. O evento propeliu uma reação mundial de proporções inéditas. Trilhões de dólares foram mobilizados pelos bancos centrais, em escala internacional e cooperativa, em um esforço para evitar que o mundo decaísse à Grande Depressão que muitos observadores previam. Os governos aceitaram deficit imediatos maiores no setor público a fim de garantir demanda interna adequada. O Brasil não foi exceção. Virtualmente todas as demais questões ficaram em hibernação. Agora, nos EUA, Ben Bernanke indicou que a Grande Recessão parece estar chegando ao fim. Warren Buffett, investidor astuto, concorda, e nega a possibilidade de uma recuperação em forma de W, que se provaria apenas temporária e inadequada.
Os mercados de ações retomaram a alta em toda parte, e a confiança parece estar se recuperando. Os consumidores dos EUA passaram a gastar bem mais do que nos meses recentes, mesmo se desconsiderados os incentivos imediatos à aquisição de automóveis. Seu desempenho interno já tinha apresentado boas melhoras, mas o comércio mundial continuava parado. Tudo isso, embora bem-vindo, é apenas a parte fácil.
Ao longo dos últimos 12 meses, a economia política esteve sob o domínio dos tecnocratas. Considerações econômicas determinavam as ações. O grau de cooperação exibida oferece forte contraste para com a independência nacional que floresceu nos anos 30 e contribuiu para que o mundo decaísse à devastação da Guerra.
Agora que o colapso imediato foi evitado, a política volta a se afirmar, em toda parte. Em eleições reais, ao contrário do que aconteceu no Irã e no Afeganistão, os políticos situacionistas enfrentam grandes problemas, mesmo que tenham reagido bem aos desafios econômicos. No Japão, o PLD sofreu rejeição recorde; na Alemanha, foram os partidos minoritários que demonstraram ganhos, e não a UDC e PSD, que, no momento, dividem o poder; no Reino Unido, Gordon Brown parece ter pouca chance de manter o posto.
Os países agora veem suas políticas sujeitas a interesses internos cada vez mais estreitos. Isso se aplica às cláusulas que determinam a compra de produtos norte-americanos, como parte do pacote de assistência governamental de US$ 787 bilhões aprovado no começo do ano. E foi reafirmado nas tarifas temporárias sobre as importações de pneus chineses impostas dez dias atrás, e na reação imediata que essa medida causou na China. O auxílio financeiro alemão à Opel desperta reações em outros países europeus que essas medidas colocam em desvantagem.
Os exemplos são muitos. E o Brasil não está isento. O grupo dos 20 (G20) se reunirá em Pittsburgh na quinta e sexta-feiras. A regulamentação do setor financeiro será o tópico central. Há pouca dúvida quanto à necessidade de reforma substancial das regras que permitiram os excessos aos quais mal sobrevivemos. Com sorte, um setor financeiro mundial mais transparente e menos autônomo terminará por emergir, não sob uma autoridade regulatória única, mas por meio de extensa cooperação nacional. Então poderemos seguir adiante para questões como o comércio internacional, taxas de câmbio e deficit em conta corrente, que são igualmente importantes. De outra forma, os desequilíbrios internacionais ressurgirão. Essa é a parte difícil, mas igualmente essencial, da história, e não deve ser esquecida.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


ALBERT FISHLOW , 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna. afishlow@uol.com.br


Texto Anterior: Era de "megassuperavit" do setor público pode ter chegado ao fim
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Paz social: o povo é barato
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.