São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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ARTIGO

Camisa-de-força fiscal e monetária acirra tensão na zona do euro

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

É difícil conduzir uma economia que se move com lentidão. Mas a tarefa é ainda mais complicada quando é preciso que diversos capitães cooperem para comandar um navio composto, ele mesmo, de uma série de embarcações amarradas umas às outras. Assim, não surpreende que o crescimento lento esteja gerando tensões na zona do euro. Mas essas tensões poderiam ser valiosas se encaradas como uma oportunidade para reformas.
O indicador mais revelador sobre as tensões existentes foram as abordagens divergentes quanto às políticas fiscais adotadas pela França e pela Alemanha. Na semana passada, Francis Mer, o ministro das Finanças francês, apontou dois dedos para seus colegas dos demais países da zona do euro, para não mencionar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, ao responder "não" duas vezes a um aperto fiscal.
Na Alemanha, o governo reeleito concordou em elevar os impostos e cortar os gastos no ano que vem, em uma desesperada (e provavelmente infrutífera) tentativa de equilibrar o orçamento. Na França, as preocupações domésticas estão prejudicando a solidariedade européia. Na Alemanha, a solidariedade européia está, ao menos teoricamente, prejudicando as preocupações domésticas.
No entanto esse está longe de ser o único conflito na zona do euro. Existe tensão entre os membros menores (que realizaram, com exceção de Portugal, um trabalho notável de corte de déficits fiscais) e os grandalhões, Alemanha, França e Itália (que não o fizeram). Ainda mais importante, existe desacordo entre o Banco Central Europeu (BCE) e os países-membros quanto aos defeitos das políticas fiscal e monetária.

Crescimento desigual
Por trás dessas tensões, temos o crescimento fraco das economias na zona do euro -e os desempenhos desiguais dentro dela. Alemanha e Itália estão se saindo particularmente mal. No extremo oposto, o crescimento médio irlandês foi de 7,8% desde 1992.
A combinação de um mau desempenho geral e de grandes divergências traz duas consequências inescapáveis: as posições fiscais se deterioram de maneira desigual, enquanto a política monetária, de tamanho único, começa a incomodar os retardatários.
A política monetária é inevitavelmente perversa nos países da zona do euro. Países com economia superaquecida e alta inflação têm baixas taxas reais de juros, e o oposto se aplica aos países que crescem lentamente.
Uma das maneiras clássicas de avaliar a posição monetária é a chamada regra de Taylor, batizada em homenagem ao economista norte-americano John Taylor, hoje subsecretário do Departamento do Tesouro dos EUA. A regra relaciona a taxa de juros aos desvios entre a inflação real e a meta de inflação e entre a produção real e a capacidade total de produção. Com base nisso, uma recente análise do UBS Warburg conclui que uma taxa de juros de 2,4% seria a correta para a Alemanha, diante dos 3,25% do BCE, enquanto a taxa correta para a Irlanda seria de 6,4%.
Dentro de uma união monetária, a flexibilidade fiscal é muito mais importante do que em um país com políticas monetárias próprias. Na prática, porém, o Pacto de Estabilidade parece eliminar a flexibilidade da política fiscal quando ela é mais necessária. O déficit fiscal alemão neste ano deve ficar acima de 3%, limite estabelecido pelo Tratado de Maastricht. Na França, o déficit previsto é de 2,5%. Mas os déficits fiscais são muito mais baixos, depois dos ajustes cíclicos: 1,6% na Alemanha, 1,9% na França. Adotar política monetária mais dura, nesses casos, seria loucura. Não faria sentido um aperto para corrigir uma distorção cíclica.

Equilíbrio delicado
Se regras fiscais tolas e política monetária perversa são parte do problema, qual é a solução? Quanto às políticas fiscais, é preciso reconhecer os argumentos a favor de determinadas restrições. Um país pode ser encorajado a tomar empréstimos demais, caso acredite que seus parceiros (ou o BCE) jamais permitiriam que caia em moratória. Há países, igualmente, que podem viajar de carona nas restrições alheias, expandindo seus déficits e assim impondo juros mais altos a todos.
No entanto regras desprovidas de credibilidade são inúteis. Os termos do pacto são severos demais. Não existe motivo para que os orçamentos se equilibrem, e déficits superiores a 3% não necessariamente serão desastrosos. A resposta é permitir maiores déficits estruturais para os países cujo perfil de dívida seja favorável. Ao relacionar os níveis de déficit aos níveis de dívida, a reforma recompensaria os países que seguiram políticas fiscais prudentes.
No entanto muita gente acredita que, no coração das dificuldades, estejam as políticas do BCE. Há alguma verdade nas críticas, mas elas são exageradas. Dadas as metas inflacionárias, a política monetária não é severa demais no momento. Mas podem-se fazer três críticas ao BCE: sua meta de inflação é baixa, suas intenções são obscuras e seus esforços para comunicar sua provável resposta a medidas fiscais são limitados.
Na diversificada economia da zona do euro, uma meta de inflação abaixo de 2% arrisca arremessar as economias de baixo crescimento e taxa de câmbio real supervalorizada, como a Alemanha, à deflação. Uma vez mais, as metas de inflação são assimétricas. Por esses dois motivos, seria melhor que o BCE acompanhasse o Banco da Inglaterra e adotasse uma meta básica de, digamos, 2,5%. A instituição deveria tentar convencer os ministros das Finanças de que é preciso prudência, deixando clara qual seria sua resposta a medidas de aperto ou afrouxamento da política fiscal.
Mudanças como essas certamente ajudariam a zona do euro. Mas que ninguém se engane. O que está errado não será remediado apenas por instrumentos fiscais e monetários.
O desempenho econômico da zona do euro vem sendo deprimente. Isso importa para a zona do euro em si e para o mundo. Uma substancial liberalização seria fundamental. Sem grandes reformas nos principais países da união monetária, a zona do euro continuará a ser uma das grandes decepções da economia mundial.


Tradução de Paulo Migliacci


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