São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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TRABALHO

Estatal reedita "lista negra" ao congelar pagamento de adicional de periculosidade a quem faz reclamação trabalhista

Metrô troca ação na Justiça por benefício

CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para receber adicional nos salários por trabalharem em áreas de risco elétrico, parte dos metroviários de São Paulo está sendo obrigada a abrir mão de reclamação na Justiça do Trabalho. A denúncia, feita por funcionários e pelo sindicato da categoria, será encaminhada nesta semana ao Ministério Público do Trabalho.
A prática é inconstitucional e pode ser caracterizada como discriminação, segundo advogados, especialistas e procuradores do trabalho. "É uma nova versão da "lista negra" denunciada em empresas privadas. Só que desta vez é mais grave, porque ocorre em uma estatal", diz o ministro Francisco Fausto, presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
As chamadas "listas negras" são feitas por empresas que barram a contratação de quem move ação trabalhista depois de verificar a informação em sites da Justiça.
Os tribunais do Trabalho retiraram a possibilidade de consulta on-line pelo nome do empregado, e o Ministério do Trabalho editou portaria para coibir essa prática.
No caso do Metrô, entretanto, a exigência de retirar o processo da Justiça é feita durante o contrato de trabalho para empregados de setores em que a concessão do adicional é contestada pela empresa -como áreas técnicas e administrativas. São funcionários que executam atividades de risco não de forma permanente, mas periódica, informa a empresa.
O adicional de periculosidade é pago no valor de 30% do salário para os que exercem função em áreas de risco. Empresa e trabalhadores travam desde 86 uma guerra jurídica por causa da sua forma de pagamento.
De 86 a 98, o benefício foi concedido de forma proporcional ao tempo em que o funcionário fica exposto ao perigo. Como houve uma enxurrada de ações e os trabalhadores conseguiram de volta o adicional integral (30% do salário), o TST determinou, em 98, que o pagamento deixasse de ser proporcional. Os metroviários seguiram na Justiça pedindo o pagamento retroativo a 86.
O Sindicato dos Metroviários de São Paulo informou que até 2000 a companhia pagou o benefício dessa forma para todos em situação de risco. Mas, há dois anos, a companhia fez um reestudo das condições ambientais e de periculosidade, cancelando o pagamento para 311 empregados de áreas técnicas e administrativas com base em laudos de consultoria.
Para esse grupo, o Metrô passou a pagar o adicional de forma periódica e por "apontamento" a partir de 2002 -ou seja, o funcionário recebe os 30% sobre o salário no mês em que vai ao local de risco, desde que seu chefe confirme a execução do serviço.
Dos 311 que recebiam todos os meses o benefício e tiveram o pagamento mudado, metade foi à Justiça pedir o benefício de volta. "Como 90% têm conseguido laudos de peritos da Justiça atestando que eles têm direito à forma anterior, começou a pressão para que abram mão das ações trabalhistas", disse Wagner Fajardo, diretor do sindicato. Nos últimos 90 dias, pelo menos 13 empregados foram ao sindicato cancelar suas ações. "Entre os que estão sendo procurados para retirar a ação, também há casos de processos pedindo o pagamento retroativo a 86. São ações em fase de execução, com custos onerosos, de R$ 40 mil por funcionário. Por isso, há pressão." Um deles, segundo o sindicato, está na 2ª Vara do Trabalho, envolve 202 operadores de trem e tem valor estimado em R$ 18 milhões em 99. Está em fase de execução, mas o Metrô contestou os cálculos.
Em junho, a companhia fez uma lista de 50 funcionários do setor de manutenção, planejamento e outros com direito ao adicional de periculosidade por estarem expostos periodicamente a risco. No documento, obtido pela Folha, a empresa reconhece que devem receber o benefício, segundo laudos técnicos, mas de forma periódica (não é sempre que executam atividades de risco). Nessa lista, 27 nomes aparecem com asterisco -que corresponde, como diz o documento, a "empregados que possuem processo trabalhista, com objeto de periculosidade elétrica". O comunicado cita que "o pagamento efetivo por apontamento dos empregados com o direito ao adicional de periculosidade em caráter periódico está condicionado à desistência de ação na Justiça".
Para o advogado Marcus Farkatt, que defende os trabalhadores, a empresa está descumprindo a lei. "Quem tem ação deixa de receber. Quem não tem ganha o adicional. Esse tratamento viola o princípio de isonomia."
A Folha conversou com metroviários que confirmaram que foram chamados por seus chefes para abrir mão de seus processos em troca do pagamento periódico do adicional. Um deles, que está na companhia há mais de dez anos e prefere não se identificar, diz que, apesar de executar função de risco com equipamentos elétricos na área operacional, foi chamado há dois meses por seu supervisor para desistir da ação.
Funcionário da companhia há 25 anos, João (o nome é fictício) disse que, ao participar de concurso interno para conseguir uma promoção, também foi chamado para abrir mão de seu processo. "Não concordei e desisti. Não quis comprar minha promoção."



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