São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O tiro do dólar a R$ 2,40


Após ir ao chão em agosto, dólar avança 53% contra o real; moeda foi a que mais apanhou no último trimestre

O DÓLAR foi ao rés-do-chão no dia 1º de agosto deste ano: comprava R$ 1,5593. Faz três meses e pouco. Desde então, subiu mais de 53% contra o real. Faz duas semanas, os melhores quiromantes e adivinhos do mercado previam dólar entre R$ 1,95 (sic) e R$ 2,10 no final do ano. De duas semanas para cá, a moeda americana passou da casa dos R$ 2,10 para R$ 2,40. Não foi mais um salto de dias de volatilidade. É regular e para cima, sempre.
Decerto, dólar a R$ 1,55 era uma cotação que valia tanto quanto produtos de lojas "abaixo de R$ 1,99".
Era um valor esdrúxulo num mundo em que o crédito encolhia, em que os consumidores do mundo davam sinais de retração, num país em que o déficit externo trocara de sinal há quase três trimestres e ficava cada vez mais vermelho, sem perspectiva de melhora no curto prazo.
Mas, no entanto, fomos até R$ 1,55. Isto é, represamos um grande potencial de repasse da variação do câmbio para os preços domésticos, assim que a extravagância do real forte passasse. Pois passou, e além da conta. Houston, Washington e Brasília, temos um problema.
Estimativas sobre o repasse cambial para a inflação em geral apenas não são piores que previsões de câmbio. Basta lembrar a histeria da explosão inflacionária que não houve depois da desvalorização de 1999 e das teses furadas sobre o "IPA grávido" (IPA é um índice de preços de atacado, que infla rapidamente quando o dólar fica caro; a tese era a de que a alta dos preços registrada pelo IPA "grávido", inflado, em breve chegaria incontrolável aos preços do varejo). Ainda assim, não convém subestimar os estragos do câmbio.
Havia a expectativa de que o dólar perderia fôlego depois do pior do colapso do crédito. Ou depois que fosse desmontado o grosso de aplicações feitas em ativos denominados em moedas periféricas, bancados por fundos em moeda forte. Ou depois que passasse o pior da temporada de liquidação de ativos pelos "hedge funds". Tais fundos vendem o carro para comprar gasolina: vendem ativos para atender saques de clientes, chamadas de margens e de antecipação de pagamentos de dívidas. Até as besteiras cambiais das empresas brasileiras foram em parte arrumadas. Nos EUA e na Europa, a emissão de dívida por empresas boas respirou, e os juros interbancários cederam um tico. Até o saldo de dólares que entram e saem do Brasil, apesar de ainda horrível, não piorou.
Por outro lado a perspectiva de quebra em série de empresas nos EUA eleva ainda mais os juros e o custo de proteção contra dívidas de maior risco. O preço das commodities não vê o chão (começou até sobrar minério no mercado). Enfim, há previsões de que o comércio mundial vai encolher no ano que vem. Isso tende a reduzir o fluxo de dólares para o Brasil via comércio, via aplicações financeiras e, provavelmente, até via investimento, que ficou mais caro e vai render menos.
No entanto todas essas tendências ruins estavam no radar faz um mês.
De resto, o real agora apanha mais que todas as moedas periféricas relevantes. Pode ser um "over- shooting", um exagero temporário.
Mas já começa a durar demais.
Quanto mais permanente, o "shooting" fica na verdade mais "over" -o tiro pode acertar a inflação.

vinit@uol.com.br


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