São Paulo, sexta, 20 de novembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vem aí um novo funcionário público

MAILSON DA NÓBREGA

O funcionário público nem sempre teve boa imagem. Diz-se que ele não trabalha e ganha muito, sobe na carreira apoiado em padrinhos políticos e é um privilegiado frente aos assalariados do setor privado. Há verdades e muitas inverdades nessas afirmações.
Segundo João Geraldo Piquet Carneiro, em texto sobre ética no serviço público apresentado no Conselho de Reforma do Estado, de que é membro, uma minoria pensa que "os funcionários públicos são responsáveis pela deterioração dos serviços públicos e pela quebra dos padrões de conduta ética da administração pública".
Ao contrário, sustenta Piquet, "o servidor público é uma vítima do processo de perda de referenciais éticos", mesmo porque, acrescentou, nunca "se conseguiu implantar inteiramente na administração pública o sistema de mérito".
Na verdade, a visão negativa que se tem do funcionário público resulta em geral da generalização indevida de determinadas situações concretas.
Ao que tudo indica, os bolsões de ineficiência e privilégio derivam da preservação, por tempo exagerado, dos padrões burocráticos erguidos nos anos 30 e do casuísmo na legislação de pessoal.
Nos Estados, uma mistura de populismo e irresponsabilidade fiscal de muitos governadores gerou salários acima do mercado e aposentadorias em valores escandalosos.
A Constituição de 1988 piorou a situação ao restabelecer o Regime Jurídico Único - RJU, velho dos anos 30. Perderam-se mais de três décadas de esforços para ampliar a aplicação do regime da legislação trabalhista ao funcionalismo.
O RJU enrijeceu a administração pública e produziu a maior fonte de privilégios da história republicana, via aposentadorias socialmente inaceitáveis. É aqui onde a visão negativa mais corresponde à realidade.
A União -vale dizer, os contribuintes- participa com 85% das despesas com inativos e pensionistas em comparação com 20% dos empregadores do setor privado. Em alguns Estados, as contas previdenciárias somente se equilibrariam se as contribuições dos funcionários e do governo chegassem a 53% sobre a folha dos ativos.
A solução para esses e outros problemas, incluindo o excesso de gastos de pessoal nos Estados, começa a se tornar possível com as reformas administrativa e previdenciária.
Parte do déficit previdenciário será eliminado com o aumento das contribuições.
A quebra do RJU, da estabilidade do servidor público e de outras distorções da Constituição de 1988 permitirá a implantação de uma burocracia gerencial, valorizando o funcionalismo, a qualidade na prestação de serviços e o foco no cidadão.
Nos Estados, se viabilizará a aplicação da chamada Lei Camata, que regulamenta o dispositivo constitucional que fixa em 60% da receita líquida o teto dos gastos com o funcionalismo.
Será de 12% dessas receitas o limite de gastos com aposentados e pensionistas. Atingido o limite, será aumentado o valor das contribuições dos ativos e inativos.
Um ponto que tem merecido pouca atenção, apesar de seu imenso potencial de cura das atuais distorções, é que as reformas permitirão que se reintroduza o regime da legislação trabalhista, hoje aplicável apenas aos trabalhadores do setor privado.
Como mostraram Ives Gandra Martins e Gilmar Ferreira Mendes em artigo nesta Folha (28/ 10/98), será plenamente possível "a adoção do regime contratual de caráter trabalhista no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal".
Pode-se interpretar que o regime da CLT não seria aplicado apenas às carreiras típicas de Estado, restritas a poucos casos, como a dos militares, da magistratura, do ministério público e das polícias Federal, Rodoviária e Ferroviária.
Poderiam ser "celetistas", portanto, os diplomatas, os fiscais de tributos federais, os funcionários do Tesouro e do Orçamento, os fiscais da Previdência e do Trabalho, que até hoje eram considerados funcionários públicos típicos.
Relativamente aos empregados do setor privado, os "celetistas" do governo terão a desvantagem de somente poder conquistar o emprego por concurso público. Em compensação, as regras para sua demissão serão muito rígidas.
Com o tempo, poder-se-á resgatar a imagem dos servidores, recrutar e remunerar adequadamente os talentos, melhorar os serviços prestados ao cidadão e eliminar o insustentável déficit dos respectivos regimes previdenciários. Não será pouco.
Haverá muitas resistências a essas mudanças, mas é muito provável que elas sejam aprovadas. Delas deverá nascer um novo serviço público no Brasil.


Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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