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OPINIÃO ECONÔMICA
Vem aí um novo funcionário público
MAILSON DA NÓBREGA
O funcionário público nem
sempre teve boa imagem. Diz-se
que ele não trabalha e ganha
muito, sobe na carreira apoiado
em padrinhos políticos e é um
privilegiado frente aos assalariados do setor privado. Há verdades e muitas inverdades nessas afirmações.
Segundo João Geraldo Piquet
Carneiro, em texto sobre ética
no serviço público apresentado
no Conselho de Reforma do Estado, de que é membro, uma minoria pensa que "os funcionários públicos são responsáveis
pela deterioração dos serviços
públicos e pela quebra dos padrões de conduta ética da administração pública".
Ao contrário, sustenta Piquet,
"o servidor público é uma vítima do processo de perda de referenciais éticos", mesmo porque,
acrescentou, nunca "se conseguiu implantar inteiramente na
administração pública o sistema de mérito".
Na verdade, a visão negativa
que se tem do funcionário público resulta em geral da generalização indevida de determinadas situações concretas.
Ao que tudo indica, os bolsões
de ineficiência e privilégio derivam da preservação, por tempo
exagerado, dos padrões burocráticos erguidos nos anos 30 e
do casuísmo na legislação de
pessoal.
Nos Estados, uma mistura de
populismo e irresponsabilidade
fiscal de muitos governadores
gerou salários acima do mercado e aposentadorias em valores
escandalosos.
A Constituição de 1988 piorou
a situação ao restabelecer o Regime Jurídico Único - RJU, velho
dos anos 30. Perderam-se mais
de três décadas de esforços para
ampliar a aplicação do regime
da legislação trabalhista ao funcionalismo.
O RJU enrijeceu a administração pública e produziu a maior
fonte de privilégios da história
republicana, via aposentadorias socialmente inaceitáveis. É
aqui onde a visão negativa mais
corresponde à realidade.
A União -vale dizer, os contribuintes- participa com 85%
das despesas com inativos e pensionistas em comparação com
20% dos empregadores do setor
privado. Em alguns Estados, as
contas previdenciárias somente
se equilibrariam se as contribuições dos funcionários e do governo chegassem a 53% sobre a
folha dos ativos.
A solução para esses e outros
problemas, incluindo o excesso
de gastos de pessoal nos Estados,
começa a se tornar possível com
as reformas administrativa e
previdenciária.
Parte do déficit previdenciário
será eliminado com o aumento
das contribuições.
A quebra do RJU, da estabilidade do servidor público e de
outras distorções da Constituição de 1988 permitirá a implantação de uma burocracia gerencial, valorizando o funcionalismo, a qualidade na prestação de
serviços e o foco no cidadão.
Nos Estados, se viabilizará a
aplicação da chamada Lei Camata, que regulamenta o dispositivo constitucional que fixa em
60% da receita líquida o teto dos
gastos com o funcionalismo.
Será de 12% dessas receitas o
limite de gastos com aposentados e pensionistas. Atingido o limite, será aumentado o valor
das contribuições dos ativos e
inativos.
Um ponto que tem merecido
pouca atenção, apesar de seu
imenso potencial de cura das
atuais distorções, é que as reformas permitirão que se reintroduza o regime da legislação trabalhista, hoje aplicável apenas
aos trabalhadores do setor privado.
Como mostraram Ives Gandra
Martins e Gilmar Ferreira Mendes em artigo nesta Folha (28/
10/98), será plenamente possível
"a adoção do regime contratual
de caráter trabalhista no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal".
Pode-se interpretar que o regime da CLT não seria aplicado
apenas às carreiras típicas de
Estado, restritas a poucos casos,
como a dos militares, da magistratura, do ministério público e
das polícias Federal, Rodoviária
e Ferroviária.
Poderiam ser "celetistas", portanto, os diplomatas, os fiscais
de tributos federais, os funcionários do Tesouro e do Orçamento, os fiscais da Previdência
e do Trabalho, que até hoje
eram considerados funcionários
públicos típicos.
Relativamente aos empregados do setor privado, os "celetistas" do governo terão a desvantagem de somente poder conquistar o emprego por concurso
público. Em compensação, as regras para sua demissão serão
muito rígidas.
Com o tempo, poder-se-á resgatar a imagem dos servidores,
recrutar e remunerar adequadamente os talentos, melhorar
os serviços prestados ao cidadão
e eliminar o insustentável déficit dos respectivos regimes previdenciários. Não será pouco.
Haverá muitas resistências a
essas mudanças, mas é muito
provável que elas sejam aprovadas. Delas deverá nascer um novo serviço público no Brasil.
Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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