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São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nota três para o piloto Garcez

GESNER OLIVEIRA

O governo Lula não foi bem em seu primeiro ano. A nota seis atribuída pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, ao desempenho da administração foi generosa e devia ser reduzida pela metade. O provável crescimento nulo do PIB em 2003 deverá representar o pior desempenho desde 1992 durante o governo Collor, no qual o PIB caiu 0,5%.
Em 1998 o PIB cresceu apenas 0,13%, porém em meio a uma crise internacional provocada pelo calote da Rússia. Em contraste, e felizmente, em 2003 a economia dos EUA registrou clara recuperação, junto com a Ásia e a União Européia, e a Argentina acusou crescimento de 7%.
Apesar dos tropeços internos, a economia está se recuperando mais rápido do que os pessimistas imaginam e o Natal de 2003 será aproximadamente 4% melhor do que o do ano passado. Mais importante ainda, as perspectivas para 2004 são boas, permitindo uma projeção de crescimento de 4%, ligeiramente inferior à expansão observada em 2000.
A afirmação do presidente Lula de que seu governo teria salvo o país de "uma das mais graves crises da história republicana" lembra o piloto Garcez, que em 1989 partiu para Belém do Pará, ficou distraído ouvindo o jogo Brasil e Chile (aquele em que o valoroso Rojas fez um papelão) e se perdeu na Amazônia, permanecendo três horas em vôo cego. Depois desse espetáculo de imperícia, aterrissou milagrosamente à noite sem visibilidade, no meio da floresta e, de fato, salvou vidas de passageiros que ele mesmo colocou em risco.
Assim foi o governo Lula. Fez uma campanha baseada na promessa eleitoreira de ruptura, seduziu o eleitorado e aterrorizou o mercado, elevando o prêmio de risco e as expectativas de inflação a níveis estratosféricos. Terminada a campanha, comprou credibilidade no mesmo mercado à custa de uma política monetária mais conservadora do que a do governo FHC, impondo elevado custo em termos de emprego e produção.
Mas o problema maior reside na ausência de estratégia de médio e longo prazos. Está certo o presidente ao afirmar que "o desafio do Brasil é voltar a crescer". Mas como fazê-lo sem assegurar condições estáveis de rentabilidade para o setor exportador? Por mais que o presidente aumente sua milhagem em viagens internacionais (necessárias, diga-se de passagem), as exportações brasileiras só crescerão em bases permanentes se houver investimentos no setor exportador. E esses, por sua vez, só ocorrerão se houver um sinal claro de que serão rentáveis a médio prazo.
Da mesma forma, o crescimento exige o aumento de capacidade em infra-estrutura em segmentos tão cruciais como o setor elétrico. Nesse terreno, o máximo que o governo conseguiu foi uma polêmica medida provisória que aumentou o risco regulatório e consequentemente diminuiu a rentabilidade esperada do investimento.
A falta de script para governar coloca em risco até mesmo segmentos que vêm registrando desempenho notável, sistematicamente superior à média da economia, como o agronegócio. As idas e vindas em relação à política de transgênicos, sobre a qual o discurso do presidente silenciou, e as ambiguidades em relação à violência e ao desrespeito aos direitos de propriedade no campo podem inibir as inversões em um segmento em que o Brasil tem vocação para liderar. De acordo com os dados divulgados no site do MST (www.mst.org.br), o número de ocupações cresceu 86,3%, e o de acampamentos, 209%.
A política social padeceu, por sua vez, de três problemas graves. Em primeiro lugar, o erro conceitual de privilegiar o assistencialismo e a esmola em vez da criação de oportunidades de emprego e a formação de capital humano. Em segundo, a falta de racionalização de gastos permitiu uma redução em termos reais das despesas sociais. Em terceiro, o caos gerencial impediu a utilização eficiente dos escassos recursos disponíveis.
Para completar, na área educacional prevaleceu o corporativismo e, depois de muitas indefinições, o governo promoveu um retrocesso ao diminuir a transparência da avaliação das instituições de ensino por meio do provão.
Assim, o governo foi reprovado ou na melhor das hipóteses ficou de recuperação. Mas o Brasil, por todas as suas virtudes e potencialidades, vai bem obrigado. Mas não pode prescindir de um plano de vôo!


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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