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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Tecnologias escravizam e destroem o caráter
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
As ondas de fusões e aquisições
das últimas semanas deixam um
rastro de sangue impressionante:
as demissões são anunciadas sempre na casa dos milhares.
Em tese, novas tecnologias estariam abrindo novas frentes de
"empregabilidade" (a palavra da
moda). Mas, a julgar pelo debate
recente sobre os efeitos da tecnologia sobre o emprego, não há motivos para esperança.
Completando o quadro desanimador, especialistas começam a
admitir que investir em educação
está longe de ser uma condição decisiva de "empregabilidade".
O acesso à educação ampliou-se
brutalmente nos últimos anos, nos
Estados Unidos, enquanto a desigualdade na distribuição de renda
continuou aumentando e a qualidade dos empregos piorou para
contingentes significativos da população. Em países menos desenvolvidos, como o Brasil, a ponte
entre educação e trabalho é ainda
mais estreita.
Toda crítica às novas tecnologias
é rapidamente classificada como
"neoludita" (referência ao movimento ludita que, em 1811, reagia à
introdução de máquinas nas fábricas têxteis inglesas).
Nessa barafunda são incluídos
tanto o Unabomber quanto o movimento sindical. Levando em
conta o fato de que nada ou ninguém até hoje foi capaz de deter o
avanço tecnológico, o "neoludismo" parece condenado a ser mais
uma nota de rodapé.
Mas as críticas têm aumentado e
ganham cada vez mais consistência e profundidade, ainda que seja
só para fazer o registro do "outro
lado" e ao menos dar chance às
pessoas de se acautelarem contra a
euforia tecnológica.
Algumas tendências têm mudado com enorme rapidez. O desenvolvimento do espaço virtual, por
exemplo, começou cercado de glamour, exigia conhecimentos de informática e parecia abrir amplas
possibilidades de emprego e renda
elevada.
O desenvolvimento de conteúdo
para a Internet chegou até a animar a recuperação de uma área de
Nova York, batizada de "silicon
alley" (alameda do silício), em
contraposição ao "silicon valley"
(vale do silício, na Califórnia, pólo
de desenvolvimento de máquinas
e software).
Praticamente em dois anos, entretanto, ocorreu uma "commoditização" (ou seja, vulgarização
mercantil em larga escala) do que
parecia um misto de empregabilidade e alta cultura. A cena foi descrita num belo ensaio ("The Case
of Silicon Alley") publicado no número 25 da revista 21*C (http://
www.21c.worldideas.com). Seu
ponto de partida é a divulgação de
um anúncio de seleção que pedia
"escravos com habilidade em
HTML" (a linguagem com que se
montam as páginas da Internet).
Curiosamente, as condições de
trabalho nessa fronteira da tecnologia atual não apenas se assemelham às que se encontram em oficinas têxteis de baixa qualificação,
como, em Nova York, os dois
mundos aparentemente tão distantes às vezes estão muito próximos até fisicamente. A revista
"Wired", um ícone dos tempos virtuais, dividia espaço num prédio
com empresas do setor têxtil.
A virtual escravização do novo
trabalhador supostamente qualificado e supereducado estaria associada ainda à perda de caráter. Esse
é o tema do livro mais recente de
Richard Sennett, um respeitado
sociólogo da Universidade de Nova York ("The Corrosion of Character, The Personal Consequences of Work in the New Capitalism").
A tão propalada flexibilidade nas
relações trabalhistas estaria obrigando os indivíduos a um desligamento social que culmina com a
incapacidade de perceber o tempo
e conceber o futuro.
A reengenharia estaria criando
monstruosidades psicológicas e
pessoais tão ou mais perversas que
aquelas produzidas pelo mundo
burocratizado das estruturas industriais fordistas.
Há sintomas dessa destruição
por todos os lados: das tirinhas de
Dilbert (onde os supostos valores
da boa administração de pessoal
criam um ambiente de trabalho
sem ética) ao sucesso editorial de
manuais que prometem a redescoberta das emoções em meio à revolução tecnológica (tipo "Inteligência Emocional").
Sem Marx nem Freud, o flexível
trabalhador do futuro não terá do
que se libertar.
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