São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

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Temor de recessão deve monopolizar Davos

Relatório do Fórum Econômico Mundial mostra, pela 1ª vez em cinco anos, queda na confiança sobre as perspectivas de negócio

Presidente Lula desiste de ir ao encontro, que começa na quarta; entre os membros do governo, Meirelles e Amorim estão confirmados

Arno Balzarini - 9.jan.08/Associated Press
Suíços instalam equipamento de segurança para o Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O encontro anual do Fórum Econômico Mundial começa na quarta, em Davos (Suíça), com clara manifestação de desconfiança em relação a um dos principais atores da própria reunião, o setor financeiro.
O relatório "Riscos Globais 2008", que será um dos textos básicos em discussão, mostra o receio de que a "presente crise de liquidez" leve "a uma recessão nos EUA nos próximos 12 meses". E aponta que "a escala e a natureza da crise financeira sistêmica de 2007/2008 levantaram questões fundamentais a respeito das vulnerabilidades no presente modelo de mercados financeiros".
Explica-se a desconfiança: pesquisa com executivos de todo o planeta, a ser divulgada em Davos, mostra, pela primeira vez em cinco anos, queda na confiança sobre as perspectivas de negócio e medo de recessão.
O modelo de mercados financeiros citado no relatório é cuidadosamente batizado de "revolução nos mercados financeiros nas últimas duas décadas". Revolução caracterizada por uma "diversificação dos riscos", que "pode ter reforçado a estabilidade nos bons tempos, mas riscos financeiros sistêmicos permanecem agudos".
O notável é que o relatório "Riscos Globais" é de co-autoria do Citigroup, cujo prejuízo (de quase US$ 10 bilhões) no último trimestre de 2007 provocou o mais recente surto de vulnerabilidade não só no setor financeiro mas já com reflexos em outros setores.
O relatório "Riscos Globais 2008" foi divulgado no dia 9, uma semana antes, portanto, do anúncio de prejuízos do Citi, o que faz crer que os temores já apontados por ele só podem ter crescido e acabarão por monopolizar os debates em Davos.
Azar do Brasil. Nos anos anteriores, o país figurava como pé de página nas discussões econômicas, porque seu medíocre crescimento era atropelado pelos números luminosos da Índia e da China.
Agora que o crescimento deve ultrapassar 5%, já mais forte, embora inferior ao de chineses e indianos, surge o fantasma da recessão nos EUA para marginalizar de novo o Brasil.
Afinal, 60% dos cerca de 2.500 participantes do encontro de 2008 são líderes empresariais, a maioria representando as cerca de mil companhias que financiam o Fórum -todas multinacionais de grosso calibre, nenhuma brasileira.
É natural que esse público esteja mais preocupado com o mundo rico do que com o Brasil. Ainda mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presença habitual em Davos nos últimos anos, desistiu de ir.
Conseqüência: a participação de brasileiros, usualmente mínima, ficou ainda menor. Só 14 executivos estão listados como participantes, incluindo o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli. O empresário de maior peso, Jorge Gerdau Johannpeter, desistiu.
Só dois ministros figuram na lista divulgada pelo Fórum: o presidente do BC, Henrique Meirelles, participante desde antes de ser governo, e o chanceler Celso Amorim.
No âmbito econômico, o peso do medo é tamanho que o primeiro debate -tradicionalmente uma sessão de atualização sobre economia mundial- terá neste ano dois catastrofistas, em vez de apenas um, como vinha sendo a norma nos anos anteriores, de formidável bonança no mundo todo.
Stephen Roach, ex-economista-chefe do Morgan Stan- ley, agora chefe da empresa para a Ásia, disputará com Nouriel Roubini (Roubini Global Economics, dos EUA) a primazia de ter previsto a crise.

Caixa eletrônico
Roach, de fato, previu-a, ano após ano, sem que ela ocorresse. Em todo caso, em sua participação anterior, em 2006, ele de fato avisou que era "insustentável" uma economia como a norte-americana, que descreveu ironicamente como "uma gigantesca ATM" (sigla em inglês para Automatic Telling Machine, o caixa eletrônico).
Significa que os consumidores americanos gastam muito mais do que têm. De fato, o consumo passou a representar 71% do PIB, contra o patamar histórico de 67%. O norte-americano, diz Roach, consome não porque tenha poupança para fazê-lo mas porque saca de sua suposta ATM, ou seja de seus ativos, financeiros ou imóveis.
Em 2006 (o encontro é sempre em janeiro), essa economia ainda se sustentou, mas a ATM de fato começou a enguiçar no ano passado.
Já Roubini, que, em 2007, ocupou o posto de catastrofista, na ausência de Roach, apontou "três ursos feios" no caminho da economia mundial: o fim do boom imobiliário nos EUA, o aumento dos juros, que começa a provocar um sufoco no crédito, e a retomada da tendência de alta no preço do petróleo.
O aumento dos juros deixou de ser "urso", mas os dois outros fatores de fato estão presentes na crise.
De todo modo, a economia não será o único fantasma a assombrar Davos no primeiro dia do encontro. A secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, será a oradora principal da sessão de abertura, o que fatalmente reforçará a presença do terrorismo, do Iraque e do Oriente Médio na agenda. Ainda mais que, antes dela, fala Hamid Karzai, o presidente do Afeganistão.
O onipresente YouTube também fará sua estréia em Davos. O Fórum lançou uma conversação global por vídeo, em que executivos, políticos e o público em geral devem responder à pergunta: "Qual é a ação-chave que você pensa que países, empresas ou indivíduos deveriam adotar para fazer do mundo um lugar melhor em 2008?".


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