São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Crise política pode paralisar a economia

GESNER OLIVEIRA

A crise política deflagrada pelo caso Waldomiro Diniz pode acentuar aquilo que já era um problema: a ausência de um programa articulado de governo que estimule a modernização institucional e o investimento necessários para o crescimento sustentado da economia.
Acuado diante da crise, o governo pode apresentar uma precoce fadiga reformista. É bem verdade que o problema já existia antes das revelações do caso Waldomiro. Coexistiam (e coexistem) no governo visões diametralmente opostas acerca daquilo que deve ser feito para desenvolver o país.
Se, de um lado, cogitaram-se projetos modernizantes de maior autonomia das agências reguladoras e do próprio Banco Central e vem se ensaiando um apoio sistemático ao comércio exterior; ou mesmo se há esforços para a modernização da Lei de Falências e a criação de um sistema de parceria público-privada, a tradução na prática de tais proposições vem muitas vezes com o sinal trocado.
Assim, o projeto divulgado de reforma das agências as subordina aos ministérios, a autonomia do Banco Central foi relegada ao debate acadêmico e o modelo do setor elétrico continua a suscitar dúvidas em demasia para atrair investimentos produtivos.
Isso sem falar na ausência de programa para as políticas sociais e para a educação, apenas para citar exemplos mais evidentes e que têm impacto direto e significativo sobre a capacidade de crescimento de longo prazo do país. Ou ainda nos riscos de retrocesso na pesquisa agrícola e nos desacertos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Tais desincentivos ocorrem em um ambiente macroeconômico adverso com elevadas taxas de juros reais e a manutenção (e mesmo agravamento) de uma estrutura tributária asfixiante para o setor formal da economia. Só mesmo um milagre para elevar a taxa de investimento nessa conjuntura.
Não bastassem os problemas do presente, não se entrevêem perspectivas futuras. As ambigüidades da atual administração terminam por gerar uma resultante quase nula. Não há uma agenda hegemônica. Há, sim, uma paralisia do sistema de decisões, emitindo um sinal negativo para os investimentos e para a expansão do emprego.
O caso Waldomiro apenas agrava esse fenômeno ao diminuir a capacidade de comando e coordenação do núcleo duro do governo. É ilusório apostar naquilo que, à primeira vista, pareceria um fortalecimento da agenda reformista representada pelo ministro Palocci. Isso porque também a aumenta o poder de barganha das alas mais radicais do PT que demandam a aplicação do programa de ruptura que o partido tinha até às vésperas das eleições. A resultante de tais forças opostas não é a explosão. É meramente a paralisia.
Em persistindo tal paralisia, o Brasil deixará escapar uma fresta de oportunidade na normalmente conturbada economia mundial. Em contraste com as crises do governo FHC, as dificuldades atuais ocorrem em meio a uma conjuntura internacional por ora favorável.
A economia dos EUA está em recuperação e tudo indica que a provável subida da taxa de juros nos EUA no segundo semestre virá de forma suave. A União Européia apresenta crescimento moderado e o Japão parece ter acordado depois de uma década de estagnação. E, por fim, a Argentina cresceu até agora e reforçou a demanda por bens e serviços brasileiros.
O presidente Lula sabe bem que um tropeço em 2004 lembra o zagueiro que sai jogando sozinho, se atrapalha com a bola e acaba dando de presente para o atacante adversário. Não tem desculpa. Não é a crise internacional. Não é a suposta herança maldita do governo anterior. Falta time e estratégia de governo.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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