São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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Evo atrapalha "lua-de-mel" de Lula e Cristina Kirchner

Problema é suprir demanda de gás dos dois países

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente boliviano, Evo Morales, pode atrapalhar a lua-de-mel entre seus colegas Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Fernández de Kirchner, cuja celebração se dará hoje e amanhã, em Buenos Aires, na primeira visita oficial do presidente brasileiro a sua colega argentina depois da posse.
Acontece que, no sábado, Morales almoça com Cristina e Lula na Quinta Presidencial de Olivos, subúrbio ao norte de Buenos Aires, para discutir o fornecimento de gás boliviano aos dois países.
Até junho, quando começa o inverno austral, não há problemas. O vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, em visita ao Brasil na semana passada, assegurou que seu país "garante" o envio dos entre 27 milhões e 29 milhões de m3 que fornece habitualmente ao Brasil, e os quase 3 milhões que manda para a Argentina.
O problema são o que Linera chamou de "novos volumes" que o inverno certamente obrigará a Argentina a solicitar, para o aquecimento domiciliar. Já o contrato com o Brasil prevê o envio de 30 milhões.
Atender a Argentina significará necessariamente desatender o Brasil, já que a produção boliviana hoje é insuficiente para suprir o mercado interno e cumprir os acordos de fornecimento a seus dois vizinhos.
Como a Argentina paga US$ 7 por BTU (British Termal Unit), medida padrão para o gás, ao passo que a Petrobras só paga US$ 5,60, é óbvio que a Bolívia prefere dar prioridade aos argentinos.
Discutir esse assunto à mesa do almoço em Olivos criaria uma situação constrangedora para Cristina e Lula: exigir que a Bolívia cumpra o contrato com o Brasil significa defender, por tabela, o desabastecimento da Argentina. Ou vice-versa.
É por isso que o chanceler brasileiro, Celso Amorim, diz que, antes do almoço de sábado, Lula e Cristina devem ter "uma conversa franca entre eles dois, para que o problema da Bolívia não se transforme em um problema entre Brasil e Argentina".
A diplomacia brasileira vai para a negociação com a maior boa vontade, a mesma, de resto, que demonstrou ao longo de todo o processo de nacionalização do gás boliviano, com os problemas decorrentes.
"Nossa boa vontade não deixará de existir, mas não dá para abrir mão antecipadamente de uma dada quantidade de gás", diz Amorim.
Não dá pela simples e boa razão de que o crescimento econômico, disseminado por toda a América Latina, provocou escassez de energia em todo o subcontinente. Nenhum governo quer passar pelo constrangimento de um apagão, que, além de devastador politicamente, reduz o crescimento econômico.
É por isso que a discussão sobre o gás, com Morales presente, ameaça roubar a cena de um encontro que teria tudo para ser uma celebração de uma parceria estratégica Brasil-Argentina que vive talvez seu melhor momento.
Amorim admite que a expressão "parceria estratégica" está desgastada, porque "são tantas". Mas cria uma frase de efeito para retratar o momento das relações com a Argentina: "É a mais estratégica das parcerias estratégicas".
Tão estratégica que os dois presidentes assinarão um "Convênio de Produção para a Defesa", que prevê ações conjuntas na área militar. Dois exemplos: a produção binacional do "gáucho" (com o acento no "a", como pronunciam os argentinos), um veículo militar leve aerotransportado; e cooperação espacial, por meio do lançamento de um satélite (o "sabiá-mar"), destinado ao monitoramento das costas de ambos os países.
Problemas? Sempre há, mas, no momento, ficam de lado. É o caso do déficit comercial da Argentina, o quarto consecutivo, em 2007, na faixa de US$ 4,16 bilhões -aumento de 11% em relação a 2006. A diplomacia brasileira ainda não anotou reclamações mais fortes.


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