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Evo atrapalha "lua-de-mel" de Lula e Cristina Kirchner
Problema é suprir demanda de gás dos dois países
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente boliviano, Evo
Morales, pode atrapalhar a lua-de-mel entre seus colegas Luiz
Inácio Lula da Silva e Cristina
Fernández de Kirchner, cuja
celebração se dará hoje e amanhã, em Buenos Aires, na primeira visita oficial do presidente brasileiro a sua colega argentina depois da posse.
Acontece que, no sábado,
Morales almoça com Cristina e
Lula na Quinta Presidencial de
Olivos, subúrbio ao norte de
Buenos Aires, para discutir o
fornecimento de gás boliviano
aos dois países.
Até junho, quando começa o
inverno austral, não há problemas. O vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, em visita ao Brasil na semana passada, assegurou que seu país "garante" o envio dos entre 27 milhões e 29 milhões de m3 que
fornece habitualmente ao Brasil, e os quase 3 milhões que
manda para a Argentina.
O problema são o que Linera
chamou de "novos volumes"
que o inverno certamente obrigará a Argentina a solicitar, para o aquecimento domiciliar.
Já o contrato com o Brasil prevê o envio de 30 milhões.
Atender a Argentina significará necessariamente desatender o Brasil, já que a produção
boliviana hoje é insuficiente
para suprir o mercado interno
e cumprir os acordos de fornecimento a seus dois vizinhos.
Como a Argentina paga US$
7 por BTU (British Termal
Unit), medida padrão para o
gás, ao passo que a Petrobras só
paga US$ 5,60, é óbvio que a
Bolívia prefere dar prioridade
aos argentinos.
Discutir esse assunto à mesa
do almoço em Olivos criaria
uma situação constrangedora
para Cristina e Lula: exigir que
a Bolívia cumpra o contrato
com o Brasil significa defender,
por tabela, o desabastecimento
da Argentina. Ou vice-versa.
É por isso que o chanceler
brasileiro, Celso Amorim, diz
que, antes do almoço de sábado, Lula e Cristina devem ter
"uma conversa franca entre
eles dois, para que o problema
da Bolívia não se transforme
em um problema entre Brasil e
Argentina".
A diplomacia brasileira vai
para a negociação com a maior
boa vontade, a mesma, de resto, que demonstrou ao longo de
todo o processo de nacionalização do gás boliviano, com os
problemas decorrentes.
"Nossa boa vontade não deixará de existir, mas não dá para
abrir mão antecipadamente de
uma dada quantidade de gás",
diz Amorim.
Não dá pela simples e boa razão de que o crescimento econômico, disseminado por toda
a América Latina, provocou escassez de energia em todo o
subcontinente. Nenhum governo quer passar pelo constrangimento de um apagão,
que, além de devastador politicamente, reduz o crescimento
econômico.
É por isso que a discussão sobre o gás, com Morales presente, ameaça roubar a cena de um
encontro que teria tudo para
ser uma celebração de uma
parceria estratégica Brasil-Argentina que vive talvez seu melhor momento.
Amorim admite que a expressão "parceria estratégica"
está desgastada, porque "são
tantas". Mas cria uma frase de
efeito para retratar o momento
das relações com a Argentina:
"É a mais estratégica das parcerias estratégicas".
Tão estratégica que os dois
presidentes assinarão um
"Convênio de Produção para a
Defesa", que prevê ações conjuntas na área militar. Dois
exemplos: a produção binacional do "gáucho" (com o acento
no "a", como pronunciam os
argentinos), um veículo militar
leve aerotransportado; e cooperação espacial, por meio do
lançamento de um satélite (o
"sabiá-mar"), destinado ao monitoramento das costas de ambos os países.
Problemas? Sempre há, mas,
no momento, ficam de lado. É o
caso do déficit comercial da Argentina, o quarto consecutivo,
em 2007, na faixa de US$ 4,16
bilhões -aumento de 11% em
relação a 2006. A diplomacia
brasileira ainda não anotou reclamações mais fortes.
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