São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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ALBERT FISHLOW

Meio-termo


A comissão criada por Obama para reduzir o deficit não servirá apenas para satisfazer à audiência nacional
PODEMOS estar aprendendo uma nova lição sobre sistemas políticos presidenciais. Maiorias absolutas talvez funcionem pior do que governos divididos. Nos EUA, em 2008, o Executivo, a Câmara e o Senado foram todos substancialmente conquistados pelos democratas. Foi um momento raro. Nos anos Reagan e de George Bush pai, a Câmara esteve o tempo todo sob o controle dos democratas. Essa divisão só mudou durante dois anos, no começo do governo Clinton. Em seguida, George Bush filho teve controle precário sobre as duas Casas do Legislativo durante seis anos, ajudado pelo medo quanto a novas ameaças externas.
Durante os períodos de controle dividido, soluções de compromisso eram necessárias desde o início. Objetivos ambiciosos, alguns dos quais bastante dignos de elogios, tiveram de ser reformulados a fim de angariar apoio suficiente de ambos os partidos. Certas coisas deixaram de ser feitas. Alguns erros foram cometidos. Mas ainda assim novas leis eram aprovadas. O fato de que os EUA tenham enfrentado recessões apenas modestas e gerado altas no emprego, ao longo do período, obviamente ajudou.
Agora é quase impossível avançar. Os homens apontados pelo presidente para postos importantes se tornam reféns do processo legislativo de aprovação, o que reduz a eficiência do Executivo. Poucas das propostas de política interna se provam capazes de obter consenso. O motivo mais importante da mudança é a rápida deterioração da posição fiscal do país. Estimativas computadas em 2001 previam superavit fiscal da ordem de US$ 800 bilhões em 2010; em lugar disso, existe uma expectativa de deficit de US$ 1,4 trilhão. Essa diferença equivale a mais de 15% do PIB.
O crescimento econômico mais baixo, a redução da carga fiscal e o aumento dos gastos nos anos de Bush filho respondem por mais de metade dessa diferença. Ela não é resultado primário da Grande Recessão e dos programas de emergência implementados pelos democratas, ainda que os republicanos conservadores do movimento Tea Party prefiram que todo mundo acredite que seja esse o caso.
Obama acaba de estabelecer uma comissão bipartidária presidida por Erskine Bowles, chefe da Casa Civil no governo Clinton, e por Alan Simpson, ex-senador republicano por Wyoming. A Comissão Nacional de Responsabilidade e Reforma Fiscal não existe apenas para satisfazer à audiência nacional. Os investidores estrangeiros se tornaram igualmente importantes -detêm mais de metade da dívida pública federal norte-americana. A China, tendo acumulado boa parte desses ativos ao longo dos últimos anos, deixou claras as suas preocupações quanto à política econômica dos EUA.
O que pode ser feito? A resposta óbvia seria elevar tributos e reduzir gastos, propostas nada populares. Todo mundo prefere adiá-las. Mas às vezes postergar não é possível. Boa parte do aumento dos gastos se deve aos programas federais de saúde Medicare e Medicaid e ao Seguro Social. Eles não podem ser excluídos dos ajustes. A proporção de idosos na população está crescendo.
Isso não significa deixar de agir para expandir a cobertura de saúde agora. Em lugar disso, torna-se importante descobrir maneiras de reduzir os gastos. O Imposto de Renda terá de subir, e um tributo federal sobre valor adicionado está sendo considerado. Nem todo mundo está feliz com essas ideias. O Senado, por exemplo, não aprovou o projeto de lei que estabelecia a comissão. Com alguma sorte, já que o crescimento e o investimento parecem estar ressurgindo, o velho apego ao meio-termo reaparecerá. No relatório final da comissão, em dezembro, vamos ver.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

ALBERT FISHLOW, 74, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

afishlow@uol.com.br



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