São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Brasil pós-Lula preocupa "pai dos Brics"

Não é fácil substituir um líder bem-sucedido, diz Jim O'Neill, para quem eleições presidenciais não podem ser subestimadas

Chefe de pesquisa econômica do banco Goldman Sachs recomenda que candidatos à Presidência mantenham atual sistema de metas de inflação


CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Assim como apostou no crescimento do Brasil há oito anos, quando criou a sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) e a "opinião convencional" dizia que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva seria um desastre, o chefe de pesquisa econômica do banco Goldman Sachs, Jim O'Neill, diz estar "um pouco preocupado" com o pós-Lula.
"É difícil substituir um líder bem-sucedido. Quando as pessoas me dizem que as próximas eleições não farão diferença, me preocupa, porque provavelmente serão importantes", diz O'Neill, que chegou ao Rio há oito dias para um misto de férias e trabalho.
O economista britânico participa amanhã de seminário que lançará o Centro de Estudos e Pesquisa dos Bric, uma iniciativa da Prefeitura do Rio e da PUC-RJ. Acadêmicos e autoridades dos quatro países participarão dos debates, de onde sairão recomendações para a segunda cúpula do grupo, em abril, em Brasília.
O"Neill falou à Folha na sexta, um dia depois de se reunir com especialistas brasileiros que se mostraram mais cautelosos em relação ao futuro do Brasil do que ele próprio -que prevê que o crescimento neste ano pode chegar a 7% e que, em 2029, o país ocupará o lugar da Alemanha como quarta maior economia mundial. Abaixo, trechos da entrevista.

FOLHA - Sua estadia no Rio mudou sua visão da economia brasileira?
JIM O'NEILL
- Tenho sentimentos divergentes. Do lado positivo, vi no Rio que é grande a possibilidade de que haja um investimento considerável em infraestrutura, atraindo mais turistas e investidores estrangeiros. Isso me deixa mais entusiasmado com o Brasil, especialmente com a Olimpíada e a Copa. Eu também nunca tinha observado por inteiro a diversidade étnica e cultural brasileira. Isso provavelmente significa que o país pode lidar com a complexidade do mundo melhor do que a maioria dos países do G20 [grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo]. Do lado negativo, e estou influenciado pela cautela de meus interlocutores [brasileiros], diria que não basta falar, você tem que entregar. É importante que sejam de fato feitas coisas para aumentar o investimento em infraestrutura e na economia em geral, para fortalecer o lado da oferta.

FOLHA - O que o senhor ouviu dos economistas e autoridades com quem se encontrou?
O'NEILL
- Eles me pareceram cautelosos, o que pode ser uma coisa boa. Não se levaram pela euforia dos últimos dois anos.

FOLHA - O que os preocupa?
O'NEILL
- O nível insuficiente dos investimentos, gastos governamentais excessivos, o fato de a infraestrutura não estar se desenvolvendo com força.

FOLHA - O senhor compartilha a preocupação com os gastos?
O'NEILL
- Não estou tão preocupado, porque acho que ajudaram o Brasil a enfrentar a recessão mundial. Um dos pontos fortes de Lula é que ele se deu conta de que tinha que incluir todos os setores da sociedade brasileira, e não apenas as classes médias, do contrário não poderia levá-la na direção do progresso maior. Mas concordo com muitos economistas no fato de que esses programas não devem ser permanentes.

FOLHA - Em ano eleitoral, o governo reforçou a defesa de um Estado forte na condução da economia. O que acha disso?
O'NEILL
- Preocupa-me que o governo pense assim a longo prazo. Foi apropriado para ajudar o Brasil a se mover para uma fase melhor, mas não o é em bases permanentes.

FOLHA - Mas a crise pôs em xeque o pensamento liberal. Qual é, na sua opinião, o ponto de equilíbrio?
O'NEILL
- A última década demonstrou que você tem que estar numa posição para ser flexível. Mas há também uma longa história que demonstra que gastos governamentais excessivos não favorecem o crescimento sustentável. Há grande diferença entre gasto e investimento governamental.

FOLHA - E quais seriam as medidas apropriadas para encorajar o aumento do investimento?
O'NEILL
- Primeiro, que o governo tenha objetivos claros em seus gastos e planos para a infraestrutura. Segundo, que continue a criar um ambiente melhor para os negócios privados. Além disso, é preciso ter taxas de juros reais mais baixas. O objetivo deve ser manter a inflação baixa e o superavit primário e estar aberto ao investimento estrangeiro direto.

FOLHA - O sr. tem avaliação pessoal dos candidatos à Presidência?
O'NEILL
- Não, e prefiro não ter. O mais importante é que os candidatos garantam que o sistema de metas de inflação será mantido e que haverá marcos claros para as políticas fiscal e monetária. O Brasil é o melhor dos Brics nessa área hoje.

FOLHA - O senhor teme o período pós-Lula?
O'NEILL
- Preocupo-me um pouco. É como no futebol, é muito difícil substituir um líder bem-sucedido. Preocupa-me que o próximo presidente brasileiro tenha alguma dificuldade inicial. Há oito anos, quando criei a história do Bric, as pessoas diziam que Lula seria um desastre, e a opinião convencional estava errada. Agora, quando as pessoas me dizem que as próximas eleições não farão diferença, preocupa-me, porque provavelmente serão importantes.

FOLHA - A crise fiscal nos chamados Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) pode contaminar o resto do mundo?
O'NEILL
- Não gosto desse acrônimo, é rude demais. Mas estou mais preocupado com a Europa do que com os EUA. A crise demonstrou parte da fragilidade da união monetária. Mas temos que lembrar que a Grécia é apenas 2,5% [da economia] da zona do euro. Portugal é ainda menor. Então é preciso ver isso em perspectiva.

FOLHA - A união monetária está em risco?
O'NEILL
- Não, é um projeto político muito forte e em última instância depende muito da França e da Alemanha, que respondem por 75% da economia da zona. Provavelmente isso terminará com um pacto de estabilidade mais forte em relação à política fiscal, embora um acordo sobre essa questão deva demorar a ocorrer.

FOLHA - É importante o fato de a China ter diminuído suas reservas em títulos americanos?
O'NEILL
- Isso na verdade é bom. Para resolver os desequilíbrios americanos, é preciso um deficit comercial menor, uma taxa de poupança interna maior e menos capital estrangeiro. A China vem vendendo títulos americanos há algum tempo, e acho que isso não tem nenhuma ligação com temas políticos.

FOLHA - Muitos economistas apontam falta de transparência no pacote de estímulo econômico chinês, dizem que os bancos estariam com créditos podres.
O'NEILL
- Não concordo. Acho que a resposta chinesa à crise foi impressionante, e que os bancos chineses têm atuado para apoiar o crescimento.


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