Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Brasil pós-Lula preocupa "pai dos Brics"
Não é fácil substituir um líder bem-sucedido, diz Jim O'Neill, para quem eleições presidenciais não podem ser subestimadas
Chefe de pesquisa econômica do banco Goldman Sachs recomenda que candidatos à Presidência mantenham atual sistema de metas de inflação
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Assim como apostou no crescimento do Brasil há oito anos,
quando criou a sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) e a
"opinião convencional" dizia
que o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva seria um desastre,
o chefe de pesquisa econômica
do banco Goldman Sachs, Jim
O'Neill, diz estar "um pouco
preocupado" com o pós-Lula.
"É difícil substituir um líder
bem-sucedido. Quando as pessoas me dizem que as próximas
eleições não farão diferença,
me preocupa, porque provavelmente serão importantes", diz
O'Neill, que chegou ao Rio há
oito dias para um misto de férias e trabalho.
O economista britânico participa amanhã de seminário
que lançará o Centro de Estudos e Pesquisa dos Bric, uma
iniciativa da Prefeitura do Rio e
da PUC-RJ. Acadêmicos e autoridades dos quatro países
participarão dos debates, de
onde sairão recomendações para a segunda cúpula do grupo,
em abril, em Brasília.
O"Neill falou à Folha na sexta, um dia depois de se reunir
com especialistas brasileiros
que se mostraram mais cautelosos em relação ao futuro do
Brasil do que ele próprio -que
prevê que o crescimento neste
ano pode chegar a 7% e que, em
2029, o país ocupará o lugar da
Alemanha como quarta maior
economia mundial. Abaixo,
trechos da entrevista.
FOLHA - Sua estadia no Rio mudou
sua visão da economia brasileira?
JIM O'NEILL - Tenho sentimentos divergentes. Do lado positivo, vi no Rio que é grande a possibilidade de que haja um investimento considerável em infraestrutura, atraindo mais turistas e investidores estrangeiros. Isso me deixa mais entusiasmado com o Brasil, especialmente com a Olimpíada e a
Copa. Eu também nunca tinha
observado por inteiro a diversidade étnica e cultural brasileira. Isso provavelmente significa que o país pode lidar com a
complexidade do mundo melhor do que a maioria dos países
do G20 [grupo que reúne as 20
maiores economias do mundo].
Do lado negativo, e estou influenciado pela cautela de
meus interlocutores [brasileiros], diria que não basta falar,
você tem que entregar. É importante que sejam de fato feitas coisas para aumentar o investimento em infraestrutura e
na economia em geral, para fortalecer o lado da oferta.
FOLHA - O que o senhor ouviu dos
economistas e autoridades com
quem se encontrou?
O'NEILL - Eles me pareceram
cautelosos, o que pode ser uma
coisa boa. Não se levaram pela
euforia dos últimos dois anos.
FOLHA - O que os preocupa?
O'NEILL - O nível insuficiente
dos investimentos, gastos governamentais excessivos, o fato
de a infraestrutura não estar se
desenvolvendo com força.
FOLHA - O senhor compartilha a
preocupação com os gastos?
O'NEILL - Não estou tão preocupado, porque acho que ajudaram o Brasil a enfrentar a recessão mundial. Um dos pontos
fortes de Lula é que ele se deu
conta de que tinha que incluir
todos os setores da sociedade
brasileira, e não apenas as classes médias, do contrário não
poderia levá-la na direção do
progresso maior. Mas concordo com muitos economistas no
fato de que esses programas
não devem ser permanentes.
FOLHA - Em ano eleitoral, o governo reforçou a defesa de um Estado
forte na condução da economia. O
que acha disso?
O'NEILL - Preocupa-me que o
governo pense assim a longo
prazo. Foi apropriado para ajudar o Brasil a se mover para
uma fase melhor, mas não o é
em bases permanentes.
FOLHA - Mas a crise pôs em xeque
o pensamento liberal. Qual é, na sua
opinião, o ponto de equilíbrio?
O'NEILL - A última década demonstrou que você tem que estar numa posição para ser flexível. Mas há também uma longa
história que demonstra que
gastos governamentais excessivos não favorecem o crescimento sustentável. Há grande
diferença entre gasto e investimento governamental.
FOLHA - E quais seriam as medidas
apropriadas para encorajar o aumento do investimento?
O'NEILL - Primeiro, que o governo tenha objetivos claros em
seus gastos e planos para a infraestrutura. Segundo, que
continue a criar um ambiente
melhor para os negócios privados. Além disso, é preciso ter
taxas de juros reais mais baixas.
O objetivo deve ser manter a inflação baixa e o superavit primário e estar aberto ao investimento estrangeiro direto.
FOLHA - O sr. tem avaliação pessoal dos candidatos à Presidência?
O'NEILL - Não, e prefiro não ter.
O mais importante é que os
candidatos garantam que o sistema de metas de inflação será
mantido e que haverá marcos
claros para as políticas fiscal e
monetária. O Brasil é o melhor
dos Brics nessa área hoje.
FOLHA - O senhor teme o período
pós-Lula?
O'NEILL - Preocupo-me um
pouco. É como no futebol, é
muito difícil substituir um líder
bem-sucedido. Preocupa-me
que o próximo presidente brasileiro tenha alguma dificuldade inicial. Há oito anos, quando
criei a história do Bric, as pessoas diziam que Lula seria um
desastre, e a opinião convencional estava errada. Agora,
quando as pessoas me dizem
que as próximas eleições não
farão diferença, preocupa-me,
porque provavelmente serão
importantes.
FOLHA - A crise fiscal nos chamados Piigs (Portugal, Irlanda, Itália,
Grécia e Espanha) pode contaminar
o resto do mundo?
O'NEILL - Não gosto desse acrônimo, é rude demais. Mas estou
mais preocupado com a Europa
do que com os EUA. A crise demonstrou parte da fragilidade
da união monetária. Mas temos
que lembrar que a Grécia é apenas 2,5% [da economia] da zona do euro. Portugal é ainda
menor. Então é preciso ver isso
em perspectiva.
FOLHA - A união monetária está
em risco?
O'NEILL - Não, é um projeto político muito forte e em última
instância depende muito da
França e da Alemanha, que respondem por 75% da economia
da zona. Provavelmente isso
terminará com um pacto de estabilidade mais forte em relação à política fiscal, embora um
acordo sobre essa questão deva
demorar a ocorrer.
FOLHA - É importante o fato de a
China ter diminuído suas reservas
em títulos americanos?
O'NEILL - Isso na verdade é bom.
Para resolver os desequilíbrios
americanos, é preciso um deficit comercial menor, uma taxa
de poupança interna maior e
menos capital estrangeiro. A
China vem vendendo títulos
americanos há algum tempo, e
acho que isso não tem nenhuma ligação com temas políticos.
FOLHA - Muitos economistas
apontam falta de transparência no
pacote de estímulo econômico chinês, dizem que os bancos estariam
com créditos podres.
O'NEILL - Não concordo. Acho
que a resposta chinesa à crise
foi impressionante, e que os
bancos chineses têm atuado
para apoiar o crescimento.
Texto Anterior: Vinícius Torres Freire: Empresários, Dilma e Meirelles Próximo Texto: Frases Índice
|