São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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ANÁLISE

Petróleo reaviva os temores da inflação

FLOYD NORRIS
DO "NEW YORK TIMES"

Lembra-se da inflação? É o problema econômico esquecido, algo que virtualmente todo mundo acredita ser um problema do passado, e não do presente ou do futuro. Os relatos de preços surpreendentemente altos ao consumidor e ao produtor não afetaram o mercado de ações na semana passada. Os investidores ainda lembram que menos de dois anos atrás era a deflação que parecia uma ameaça.
Talvez seja prematuro preocupar-se muito com a inflação. Mas a economia mundial parece estar muito mal preparada para ela, caso aconteça. E esse fato em si pode ser um motivo para darmos mais atenção à inflação do que ela recebe hoje.
Veja os preços do petróleo. Os investidores se acostumaram à idéia de que pode haver picos de preço ocasionais, mas que as cotações logo vão cair. Um ano atrás, pouco antes da guerra do Iraque, o barril de petróleo cru chegou a US$ 39,99. Mas na época o mercado previa US$ 27 para um ano depois. Hoje é um ano depois, e o preço para entrega em abril é de aproximadamente US$ 38. Enquanto o mercado ainda acha que os preços vão cair, o futuro de um ano foi negociado acima de US$ 32 na semana passada, o maior preço já alcançado.
Não é só o petróleo. O índice Reuters CRB de 17 commodities subiu aproximadamente 20% no último ano e quase 40% nos últimos dois anos. A última alteração semelhante em dois anos aconteceu em 1977-79. Então todo mundo estava aterrorizado pela inflação; hoje quase ninguém está.
O que as pessoas temem hoje é o terrorismo. Os terroristas parecem atacar as economias que já estão fracas. Nos Estados Unidos, uma recessão havia começado meses antes do atentado de 11 de Setembro, embora a maioria dos economistas não soubessem disso na época.
O crescimento europeu em 2004 estava previsto para ser o mais fraco dentre as regiões do mundo, mesmo antes dos atentados de Madri. Ian Stewart, do Merrill Lynch, comenta que só na Europa a previsão de crescimento consensual diminuiu no último ano. Hoje, com a Espanha abalada e ameaças de atentados na Itália e na França, um declínio do turismo poderá pôr fim à frágil recuperação européia.
Diferentemente do 11 de Setembro, que por um breve período pareceu unir o mundo no horror, esse atentado está provocando sentimentos antiestrangeiros. Para raiva dos americanos, alguns europeus consideram seguro não se aproximar muito de Tio Sam.
O aumento da suspeita contra estrangeiros certamente gerará sentimentos protecionistas, que já estavam em alta. A campanha eleitoral americana incluiu denúncias de exportação de empregos, assim como pedidos de tarifas para produtos chineses, a menos que a China permita a valorização de sua moeda. Essas medidas poderiam pôr fim, ou no máximo abrandar, o efeito deflacionário das exportações chinesas.
É claro que não estamos de volta aos feios velhos tempos. Parte do aumento dos preços das commodities reflete a queda do dólar, particularmente em relação ao euro. E mesmo em dólares o índice Reuters CRB está 17% abaixo de seu pico de 1980.
Mas a clara confiança que os investidores e os fazedores de políticas parecem ter sobre a inflação pode em si mesma ser motivo de preocupação. Um quarto de século atrás, o consenso era que a inflação certamente sairia do controle para sempre, conforme o crescimento global esgotasse o suprimento de recursos naturais e fizesse aumentar os preços. Essa teoria foi desacreditada na década de 80, mas hoje, com o "boom" na China, o aumento de demanda por matérias-primas é um dos motivos pelos quais os preços estão subindo.
Se a inflação se tornar uma preocupação, o remédio tradicional de taxas de juros maiores talvez não caia bem. Em longo prazo os devedores se beneficiam da inflação, ao pagar com dinheiro que vale menos o dinheiro que tomaram emprestado. Mas haverá dor imediata para os proprietários de imóveis com hipotecas de taxas variáveis e para o governo americano, que empresta pesado no mercado em curto prazo. Taxas mais altas aprofundariam os déficits orçamentários do governo, assim como poderiam conter os consumidores. Não seriam boas notícias para o crescimento.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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